E se o desafio de uma viagem fosse seguir os passos de um dos mais esquecidos descobridores portugueses e subir aos confins menos explorados do Tibete?
Sim, devemos a um português – ou melhor, a dois – o primeiro registo escrito da existência de um território altaneiro para lá das nuvens dos Himalaias. Foi há precisamente 400 anos, completados no próximo dia 24 de agosto, que o padre jesuíta António de Andrade, nascido em Oleiros, Castelo Branco, e acompanhado pelo irmão leigo Manuel Marques, natural de Mação, Santarém, pisou Tsaparang, capital do reino de Guge, mais de cinco meses depois de terem saído de Agra, na Índia.
E é a história dessa intrépida travessia que o escritor e investigador da história da expansão portuguesa Joaquim Magalhães de Castro vai recriar em breve, no âmbito das viagens com autores desenvolvidas pela Pinto Lopes Viagens.
Ou recriar na medida do geopoliticamente possível nos conturbados dias de hoje. E dar visibilidade a um “feito histórico único no historial das grandes viagens da Humanidade”, mas muito pouco conhecido. “As viagens terrestres são sonegadas, sendo sempre dada mais atenção às viagens marítimas. Talvez porque houvesse tantos feitos marítimos que não sobrasse espaço para os terrestres”, indaga Joaquim Magalhães de Castro, que ouviu falar da epopeia de António Andrade no início dos anos 1990, quando visitou o Tibete pela primeira vez.
Andava pelo Tibete convencional e decidiu visitar Tsaparang, que fica no Tibete Ocidental, não muito longe da fronteira com a Índia. “Encontrei o lugar onde o padre António Andrade esteve ao longo de 20 anos, com diversas levas de jesuítas. É uma ruína.”
Na base está a história de uma missão falhada. O jesuíta estava em Goa e daí foi destacado para a capital do reino Mogol, Agra, onde era responsável pela missão junto da corte do imperador Jahangir. “Os reis mogois eram muito sincréticos, tolerantes, conviviam bem com as missões.”
Na altura, “circulavam rumores de que existiriam comunidades cristã para lá das montanhas – o mítico reino de Cataio” –, trazidos por mercadores mogois que diziam aos jesuítas ter encontrada “pessoas como eles”. Seria “talvez pelas semelhanças entre Cristianismo e Budismo, as imagens, as orações, etc., pensariam que fosse uma forma de Cristianismo”.
Intrigado, o padre decidiu ir à descoberta e arregimentou Manuel Marques, pediu autorizações ao imperador (mas não à Igreja…), acompanhou a comitiva imperial numa deslocação a Deli e, daí, devidamente disfarçado de mercador, seguiu com três criados, à socapa, contrafortes dos Himalaias acima, em busca de Tsaparang.
“Era território desconhecido, tinha de atravessar uma série de reinos. A tez denunciou-os, mas passaram por mercadores. Falavam persa, que era a língua franca do comércio”, conta o investigador.
As cartas que o padre escreveu descrevem as peripécias da viagem e são “documentos únicos de informação científica sobre o Tibete até então nunca mencionada”. Relata como fez várias tentativas para atravessar o passe de Mana, na fronteira. Como perdeu um dedo queimado pelo frio, como sofreu com a altitude e a neve que lhe tolhia a visão, como esperou que as neves derretessem, como foi, na verdade, o primeiro alpinista. E como identificou a nascente do Ganges.
Debalde. Não havia, efetivamente, nenhum cristão para lá das montanhas. Apenas budismo. Hoje, há as ruínas de Tsaparang, outrora uma cidade onde os jesuítas chegaram a construir uma igreja. Infelizmente, é impossível identificar a sua localização. Mas restam templos antigos, visitáveis. E um tesouro que nunca se perderá: o nascer do sol sobre o reino de Guge, aos 3900 metros de altitude.
A viagem que Joaquim Magalhães de Castro agora lidera não pode seguir a do padre António de Andrade, porque a zona fronteiriça está interdita. Mas Arranca em Pequim, atravessa o planalto tibetano de comboio (uma das viagens mais bonitas do Mundo), percorre o Tibete mais visitado (Lhasa, Gyantse e Shigatse) antes de enveredar para o oeste “mais desolado”, “mais nómada”. Aquele Tibete que traz lágrimas aos olhos do mais empedernido dos viajantes.
O regresso é por Katmandu, no Nepal, ao cabo de 19 dias de aventura, num desafio que promete testar quem a ele se propuser. Com altitude, com dias infinitos de estrada, com montanhas rudes. Com paisagens inexcedíveis.