(Foto: Direitos Reservados)

O rio do Barão de Forrester e da sua amada é uma paisagem líquida que merece tempo. Se for navegado num “gentleman’s vintage boat”, tudo casa. O vinho, a serenidade, o brilho dos cristais, o cheiro a madeira, o comboio ali a desfilar ao lado. E se houver um carro clássico à mistura, tanto melhor.

O isqueiro na porta de trás do Cadillac Fleetwood de 1962 distrai-nos por uns instantes da paisagem que se desenrola à nossa volta. Explode em brilho, como os metais perfeitamente polidos que mantêm vivo este veículo que podia estar esquecido num armazém, mas foi resgatado para desfilar, precisamente, nesta paisagem.

Era do embaixador dos Estados Unidos em Portugal, foi trazido para Lisboa por estrear, fez a sua vida ao serviço de sua senhoria e acabou encostado, com os seus assentos compridos de couro perfeito a juntar o pó dos tempos, o seu mostrador a marcar os 200 km/h nunca testados, a nitidez do retrovisor a refletir, apenas, as paredes escuras de uma arrecadação.

Até que alguém percebeu que é esta que dizem ser a melhor estrado do Mundo para conduzir, em comunhão com a paisagem do Douro, que o Fleetwood vermelho ardente deve refletir. Por dentro e por fora. Vintage por todo o lado. O carro a ronronar nas curvas perfeitas, o vinho que se deixa adivinhar no futuro dos cachos que despontam nos socalcos e, ó suprema surpresa, no barco atracado no cais privado da Pipadouro, em frente ao hotel, The Vintage House, claro.

O pontão entrega-nos ao Friendship I, ligeiramente mais vivido do que o Fleetwood, 1957, e com toda uma história grandiosa. Saído dos estaleiros E.F. Elkins, no Dorset, no sul da Grã-Bretanha, para a British Royal Navy, onde operava no transporte de altas patentes da Marinha para os navios de guerra em alto-mar. Um “gentleman’s vintage boat”. Cintila tanto quanto o isqueiro. Tanto quanto o brilho deste dia. Tanto quanto o Douro.

O programa “How vintage can you go?” é a junção de duas paixões pela época “em que o tempo se movia mais devagar”: a Pipadouro Vintage Wine Travel e a Douro Vintage Tours. Um barco, um carro, pelo meio um almoço, sobre o Douro ou a olhá-lo, de uma das quintas que produzem o precioso néctar, mas aí sem o carro, enfim, as hipóteses são as que o cliente entender, ou não fossem estes anfitriões “os alfaiates do Douro”.

A Pipadouro nasceu de uma amizade e por isso é que o barco se chama Friendship. Mas antes disso, a Royal Navy quis desfazer-se dele, acabou nas mãos de uma família italiana nómada dos mares, que viveu a bordo e deambulou até aportar no Algarve.

Andavam por lá os que se tornariam sócios fundadores da Pipadouro, encabeçados por Gonçalo Correia dos Santos, que sonhava com um turismo que fizesse a diferença no seu Douro. Com luxo, com tempo, sem massas e sem pressas. Um turismo que ele próprio fizesse. Era 2007 e o que havia eram alguns rabelos. Faltava a classe e a homenagem que o rio dos romances exige.

“Queremos que toda a gente se apaixone pelo Douro como nós, que cada um passe a ser nosso embaixador.”, resume Ana Clara Silva, diretora de operações da Pipadouro. Porque a região pede para ser vivida. Com o tal tempo, com a classe que imaginamos a Antónia Adelaide Ferreira, salva do naufrágio pelos seus vestidos, com a qualidade que nos espera a bordo, entre café de saco e miniaturas doces, entre Porto tónico e Porto vintage, aberto a fogo. “Sem muito barulho.”

Ora aí está: e o motor do Friendship? “Os nossos motores são originais, da General Motors, fazem parte do storytelling, são de 1940 e funcionam lindamente, com toda a manutenção obrigatória.” Não são invasivos, é verdade, nem parecem, a olho nu, despejar dióxido de carbono para as encostas durienses, como estoutro navio que nos ultrapassa, sem tempo. Mas sim, são a combustível e nunca este wooden yacht classic poderia ser solar. “Toda a originalidade do barco impede isso.”

E é essa que nos traz aqui. Entre o café e o Porto tónico, descobrimos este lorde duriense: 66 pés (22 metros), todo de madeira feito, uma quilha de alto-mar (1,80 metros), dois quartos e mais outro, escondido, e a biografia do Barão de Forrester, “Razão e sentimento”. Poderia ser um resumo.

As pratas britânicas, o coffret de barbearia, o leme original e a bússola refletida no espelho de antanho, porque soía estar no teto, afastada de qualquer interferência metálica, e ainda hoje lá está, perfeita a apontar o azimute.

Descemos o rio a descobrir as entranhas do navio, dois decks, uma sala de estar que se torna de jantar para combater a sazonalidade e os aposentos, descendo abaixo do nível da água.

E aí reside o maior luxo. Uma cama king-size e um mapa, o Douro e as quintas, desenhadas, o Friendship a navegar, a paisagem perfeita. Da vigia apercebe-se o Douro, ali quase à altura dos olhos, na serenidade de uma manhã de verão, moldado pelas curvas dos vinhedos, património nosso e da Humanidade.

A casa de banho é perfeita e também têm vista, há outra junta ao segundo quarto, que era do capitão, cama single, a cozinha é mais do que suficiente para servir um jantar com curadoria do chef Pedro Lemos, esteja ele incluído no programa, há, imagine-se, uma cave de vinhos, ou não estivéssemos nós no coração do Douro Vinhateiro e não fosse este navio propriedade de homens das quintas.

O Porto tónico oferece um descanso fresco antes de acostarmos ao cais do Ferrão, que serve a Quinta do Crasto, sócia da Pipadouro. Poderia ter sido na Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, ou na Quinta do Ventozelo, são as parceiras do programa “Um dia no Douro”.

Dali continuamos vintage e subimos à caixa aberta de uma Bedford dos anos 1970 para vencermos as curvas até ao almoço, lugar de paz e história onde não faltam fotografias de família a preencher peitoris e uma piscina infinita que prolonga o azul no verde do rio maior.

Tudo respira paz, silêncio (ouvem-se as cigarras do estio), calma. É de vinho e de sabores que aqui se trata. O nome da Pipadouro di-lo: wine travel. Há azeitonas das encostas e azeite delas, um arroz de pato memorável (de como a boa comida de conforto se impõe e imporá sempre), vários Quinta do Crasto a degustar e a imersão na adega, entre barricas e tonéis debaixo de telhados frescos.

De regresso ao Friendship e na viagem até ao Pinhão, é hora do Porto aberto a fogo. Ao vento, a chama incerta a aquecer a tenaz de aço, os cabelos a esvoaçar, o Douro, majestoso, a desfilar, acompanhado de um comboio que passa, alegre. Como antes. Como sempre.

(Foto: Direitos Reservados)

Programas Pipadouro

O programa “Um dia no Douro” consiste num passeio exclusivo de cerca de seis horas para um máximo de 12 pessoas, ligando o Pinhão à quinta selecionada e regresso. Preço 1100 euros. O almoço com harmonização é pago à parte e começa nos 80 euros. A visita guiada é paga nas quintas Nova de Nossa do Carmo e do Ventozelo e o transfer do cais à quinta é pago no Ventozelo. O mesmo programa no segundo barco da empresa, Pipadouro II (de 11 metros), limita-se a oito pessoas e custa 750 euros.

O programa “How vintage can you go” inclui o passeio em carros clássico com a Douro Vintage Tours entre a Régua e o Pinhão e almoço a bordo. Preço sob consulta.

Outros programas Pipadouro: Almoço Vintage (a bordo, quatro horas), Vintage Bed & Breakfast (jantar, dormida e pequeno-almoço), Douro Superior (do Pinhão à Senhora da Ribeira, com passagem por uma eclusa e refeição a bordo), Fim de Tarde (duas horas, aperitivos), Jantar de Charme (duas horas, à luz de velas) e Partidas Regulares (duas horas, Pinhão-Tua).

A operação pára três meses no inverno, devido ao fecho das eclusas e à manutenção do navio, feita com quilha à mostra. Mas pode funcionar com programas especiais no Porto.

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