Foto: Melanie Maya/Getty Images

Aprendemos na escola que a Grécia é o berço da civilização ocidental. No que concerne à gastronomia, esta é uma grande verdade, porque a base do que chamamos agora a dieta mediterrânica já se encontra documentada no auge da civilização grega, aquela que nos deu a filosofia e a democracia, centenas de anos antes da era de Cristo.

O trigo que faz o pão, o azeite e as uvas que fazem o vinho foram a base do desenvolvimento civilizacional grego. Havia muito peixe e menos carne, sobretudo cordeiros e cabras. Estes eram capazes de fornecer carne mas, sobretudo, leite. É deste que vêm os bons, mas pouco conhecidos, queijos helénicos, cremosos e acídulos.

A geografia grega é difícil, quer no continente, quer nas imensas ilhas do mar egeu. Creta não é exceção. O terreno é acidentado, as montanhas são altas, a vegetação é rasteira e não há muito espaço para grandes pastos ou pomares. É possível vislumbrar manchas de vinhedos e olivais e algumas searas. Há muito sol e pouca chuva e, no verão, as temperaturas são extremas. As cabras andam livremente sobre as rochas. Mesmo assim, a comida é rica e variada.

Comida endémica inspirada nos produtos locais
Se a base alimentar de que falei era aquela há três mil anos, agora não é muito diferente. Claro que as receitas mudaram, há alimentos que foram incorporados ao longo dos séculos. O tomate, por exemplo, inexistente na Europa até ao final da idade média, é hoje um dos elementos principais da famosa salada grega. O domínio do império Otomano sobre esta nação, terminado há 200 anos, ainda hoje influencia bastante a gastronomia grega.
Durante a minha viagem consegui sentir que os cretenses ainda comem esta comida endémica, baseada nos produtos locais e pouco permeável às modas que vêm de fora. Torna-se também óbvio que o turismo quer experimentar esta gastronomia como experiência da sua viagem. Por isso, quase todos os restaurantes servem comida de Creta e da Grécia.

A variedade gastronómica de Creta vê-se nos pormenores, naquilo que faz a diferença e aporta sabores delicados aos pratos. É o caso das ervas, frescas ou secas, a menta e o alecrim, que acrescentam uma panóplia de sabores às receitas. O mel, delicado e floral, quase transparente, é tempero para pratos de carne. Ou o azeite, que varia de tons verde-escuros até ao dourado brilhante, tem sabores variados que contribuem para uma complexidade de sensações quando estamos a comer.

Turistas enchem as esplanadas para desfrutar das iguarias e da paisagem (Foto: Louisa Gouliamaki/Getty Images)

É isso que vamos descobrir
Um dos petiscos mais apreciados em Creta são os caracóis. Servem-se na época, antes da refeição, fritos ou salteados em azeite, tomilho e muito alho. Chegam à mesa quentinhos. Não se servem especiados, como cá, e por isso fogem ao que estamos habituados. Quer aos nossos, quer à versão de manteiga e ervas frescas que é uma iguaria na Borgonha. Para os apreciadores, caracóis são uma boa escolha.

Outra proximidade que temos com esta ilha é a petinga. Sabor de verão, é comum encontrá-las fritas, sequinhas, como aperitivo antes da refeição. E são pequenas o suficiente para comer o peixe todo, sem deixar as espinhas no prato. Ou os mexilhões, que chegam fumegantes, a saber a mar, só abertos em vapor e regados com azeite.

Uma entrada sem a qual os cretenses – e todos os gregos –, não passam, é o tzaziki, um creme de iogurte, salgado, com pepino e limão e temperado com ervas e azeite. É para molhar o pão e é um excelente exemplo da delicadeza e simplicidade que a cozinha grega oferece, porque quanto mais comemos, mais nos apetece continuar. O problema é que há outros pratos em cima da mesa, como as folhas de vinha enroladas em arroz cremoso e menta, as dolmades, amargas mas frescas, a preparar o palato para o resto do repasto. São frequentemente acompanhadas de iogurte leve e tomate cherry.

Não há tradição sem as saladas, sobretudo a “grega”. Uma base de pepino, pimento verde, tomate e queijo feta, temperado com tomilho e azeite e, às vezes, sal, é uma das grandes referências da gastronomia helénica. O pepino apresenta-se um pouco mais doce do que nosso, talvez mais maduro e mais pequeno dos que costumamos consumir deste lado da Europa. Já a salada cretense é algo mais difícil de definir, pois das várias que vi nas listas e pedi, os ingredientes variavam muito entre elas. O que não falta, como entrada ou prato principal, é a moussaka, essa espécie de lasanha feita de beringela, que pode ter carne ou não e que se come tanto quente a sair do forno como fria.

As dolmades, um segredo feito de arroz envolvido em folhas de vinha (Foto: Selimaksan/Getty Images)

Todos estes pratos, mais o polvo cortado fino, podem ser servidos em meze, pequenas porções que fazem um conjunto de aperitivos ou entradas antes dos pratos principais. Esta dinâmica, assim como o nome, é mais um sinal da proximidade que a cozinha grega tem com a do Médio Oriente.

E é a partir daqui, nos pratos principais, que começamos a sentir um maior afastamento com o que conhecemos desta gastronomia.

Um prato surpreendente de frescura e sofisticação é o gemista, um tomate inteiro sem topo que é recheado de arroz e, por vezes, carne picada temperada, e que vai ao forno.

Quando sai, sente-se um perfume intenso ao assado e a carne e os condimentos oferecem-nos um aroma forte e muito característico. O gemista também pode ser feito, ocasionalmente, com pimento, mas torna-se mais pesado à medida que o comemos.

Genuinamente cretense é o kleftiko, um assado de cordeiro marinado em ervas e que vai ao forno sobre batatas, legumes e queijo. Quando este último derrete, transforma-se num creme que engrossa o molho do assado. Todos estes ingredientes misturados tornam o cordeiro muito rico em sabores e com uma textura extremamente suave. Também é possível comer o stifado, em que o cordeiro é cozido lentamente nos mesmos legumes e apresenta-se envolvido num molho muito mais líquido. Será daqui que vem o nosso nome estufado? Como não há duas sem três, é ainda possível comer o cordeiro assado envolvido num molho de mel e iogurte, puxando pelo lado doce da carne quando assada.

Numa ilha quente e acidentada, seca e sem grandes pomares, o segredo é fazer arte com aquilo que o chão dá (Foto: Education Images/Getty Images)

Mais raro é o giouvetsi, um dos pouco pratos de creta em que a carne é de vaca. Mais uma vez, grandes pedaços são longamente marinados em ervas e vão ao forno sobre massa orzo, fazendo lembrar um prato domingueiro italiano, lento e elegante.

Não se pode falar desta comida sem a cozinha informal, mais “fácil”. Destaco dois, o souvlaki e o gyros, que bem conhecemos com outros nomes em Portugal: as espetadinhas e o kebab, ou shoarma. As espetadas comem-se acompanhadas de batatas fritas ou salada e o gyros, mais conhecido, é servido fatiado fino a partir da grelha vertical, com molhos à escolha e pão pita. É ótima comida de rua, para aproveitar ao final da noite ou quando estamos com pressa durante o dia.

Ancestralidade e insularidade são dois conceitos, mas também dois sentimentos que é possível sentir quando comemos comida tradicional em Creta. Quanto mais mergulhamos na ilha, mais descobrimos que, por baixo de ingredientes aparentemente simples, há séculos de primor de receitas complexas e sabores apurados ao longo de tantas gerações.

Reportagem inicialmente publicada na edição da Volta ao Mundo de outubro de 2024

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