Foto: Ernesto Uhlmann

Antiga Karl Marx Stadt, a terceira maior cidade da Saxónia, na Alemanha, quer dar-se a conhecer e o título de Capital Europeia da Cultura, que ostenta este ano, muito contribuirá para isso. Aliás, a cidade é apenas a capital da Capital, que se alarga a uma ampla região ainda pouco explorada pelo turismo. É, portanto, uma boa opção para conhecer propostas artísticas mas também territórios, saber das novidades sem perder de vista o passado que os moldou.

 

A uma hora da bela e monumental Dresden, e outro tanto tempo da verdejante, vibrante e cultural Leipzig, Chemnitz tem permanecido discreta – talvez, exatamente, devido à imponência da vizinhança. Foi, por isso, com expectativa que responsáveis e população aguardaram 2025, ano em que ostenta o título de Capital Europeia da Cultura, tal como Nova Gorica (Eslovénia) e Gorizia (Itália), numa candidatura conjunta. “Virão conhecer-nos, vai ser bom para todos, temos muito para descobrir”, diz Lisa, desde o seu café no centro da cidade, antes de indicar o caminho para o lugar mais incontornável de todos.

É quase impossível vir a Chemnitz e não dar de caras com o enorme monumento que homenageia Karl Marx na Brückenstrasse, a caminho do centro: obra do escultor soviético Lew Jefimowitsch Kerbel, é um dos maiores bustos do Mundo, com mais de sete metros de altura e 40 toneladas, assente num pedestal de granito de quatro metros e meio. Foi inaugurado em 9 de outubro de 1971, nos tempos da República Democrática Alemã (RDA), como se sabe país comunista desde 1949 até à Reunificação, em 1990.

A própria cidade chamou-se Karl Marx Stadt a partir de 1953, tendo recuperado a designação anterior, alusiva ao rio que a banha, já em 1990, na sequência de uma consulta popular. Discutiu-se igualmente a remoção do busto – a que os moradores locais chamam “Nischel” (ou cabeça) – mas foi decidido mantê-lo e hoje é um monumento cultural de significado histórico. E se antes era usado como cenário para os festejos anuais do 1º de Maio, no outono de 1989 também foi o local de manifestações que antecederam o fim da RDA.

Atualmente é o sítio mais procurado para selfies em toda a cidade – por visitantes que, provavelmente, não imaginam que Marx não tem qualquer relação com a cidade, foi apenas usado como uma espécie de mascote pelo regime que a ergueu.

Com os seus sete metros de altura, o busto de Karl Marx domina a Brückenstrasse (Foto: Ernesto Uhlmann)

A cultura no centro
A descoberta do centro passa pelo dasTietz, antigo armazém comercial convertido em espaço cultural e que alberga uma Galeria de Arte Saxónica e o Museu de História Natural, além de impressionantes troncos de floresta petrificada há mais de 291 milhões de anos. Passa também pela bela Theaterplatz, onde se situa a Ópera; o Kunst Sammlungen, com coleções de arte que incluem trabalhos de Degas, Baselizt ou Dürer; e a Igreja de São Pedro. O Museu da Cidade, instalado num mosteiro beneditino, é outro ponto de paragem, tal como a Torre Vermelha, a mais antiga estrutura da cidade, provavelmente remontando ao século XII, a Câmara Municipal, o bairro cool Brühl e o lago Schlossteich.

Salta à vista a grande diversidade de estilos, do barroco ao gótico, do art nouveau à arquitectura socialista – cerca de 80% do centro foi destruído durante a guerra e, em vez de reconstruir, optou-se por novos projectos de construção. Significativa supresa são os numerosos centros comerciais existentes.

A Capital da Cultura abrange várias instituições da cidade, como o interessante Museu da Indústria, instalado numa antiga fundição. Foi em Chemniz que teve início a industrialização da Saxónia e chegou a ser conhecida como a “Manchester Saxã”, tal era a prevalência de edifícios fabris em meados do século XIX. No próximo ano acolherá a mostra “Tales of Transformation”, que abordará a forma como algumas cidades (incluindo Manchester) têm lidado com o património industrial e as estratégias para o futuro. E um dos exemplos das possíveis utilizações é mesmo dado por esta Capital da Cultura: a sua sede ocupa a fábrica Hartmann, última unidade de produção do “rei das locomotivas”, assim designado por ter criado uma indústria que contribuiu para que Chemnitz se tornasse um dos maiores centros industriais da Alemanha, exportando para todo o Mundo.

Muito abrangente
Mas Chemnitz 2025 é mais abrangente, envolvendo quase quatro dezenas de municípios. Tendo como lema “C the unseen”, visa dar visibilidade a pessoas, lugares e atividades que ainda não foram alvo da atenção, designadamente turística, pretende revelar a história mas também o presente da região, promovendo encontros e experiências. Aqui cultura é tudo, da consensual arte ao desporto e a discussões sobre temas na ordem do dia como acontece no festival Kosmos, agendado para Junho, onde além da música e das intervenções artísticas se debaterão temas como integração, meio ambiente, sustentabilidade, diversidade e inclusão.

Um dos projetos mais interessantes é o Purple Path, um percurso que liga 38 locais da região sob o mote “Tudo vem da montanha”. A exploração mineira, de prata a estanho, ferro e urânio, moldou profundamente a vida e as paisagens em redor de Chemnitz – Erzgebirge, ou Montanhas de Minério, a Saxónia Central e a região de Zwickau – e esta iniciativa conecta-as agora com esculturas e instalações que remetem para o seu passado comum.

Algumas das obras, da autoria de artistas saxónicos, nacionais e internacionais, já podem ser apreciadas, que uma empreitada assim não se faz de um dia para o outro. É o caso da escultura de bronze Stack, do artista britânico Tony Cragg, evocando a Natureza e a intervenção humana localizada no parque de Aue-Bad Schlema; de Color Floating, da autoria de Nevin Aladag, de origem turca mas a residir em Berlim, uma instalação de luz que associa a mineração e a tradição dos têxteis com arte contemporânea, situada em Zwönitz; de 42 Tage, da escultora germano-iraniana Bettina Pousttchi, feita com pilaretes para condicionar o trânsito, remetendo para uma república livre descrita pelo escritor de Chemnitz Stefan, um trabalho adicionado ao percurso em agosto em Schwarzenberg; ou as esculturas de bronze Javalis Selvagens, do alemão Carl Emanuel Wolf.

Chemnitz tem permanecido discreta, mas conta com imenso para ver e percorrer (Foto: Oliver Göhler/TourismusverbanChemnitz-Zwickau Region)

Descer à mina, ‘conduzir’ um Trabi
Estes últimos encontram-se junto à mina e museu Ehrenfriedersdorf Zinngrube, de onde foram extraídos prata e estanho da Idade Média ao século XX. Faz parte da lista do Património Mundial da UNESCO desde 2019, mais um motivo para descer a mais de 100 metros de profundidade, numa experiência reveladora das desafiadoras condições de trabalho de quem dali tirou o sustento até 1990.

No vasto Purple Path que unirá 400 quilómetros de estradas locais há, pelo menos, mais duas visitas recomendáveis, entremeando as novidades com personalidades que vale a pena conhecer e instituições incontornáveis. Uma é o atelier Holz & Kunst Erleben do escultor Lars Neubert, em Schneeberg, para saber mais – ou mesmo participar num workshop prático – sobre a famosa tradição da escultura em madeira de Erzgebirge, que ele, aliás, moderniza de forma muito elegante.

A outra é o museu dedicado ao fundador da Audi, August Horch, em Zwickau, cidade charmosa e que também integrará o percurso com uma obra da artista local Jana Gunstheimer. Num espaço com 6500 metros quadrados e dezenas de automóveis, um dos destaques é o Trabant (ou Trabi, diminutivo carinhoso pelo qual também é conhecido), um dos principais símbolos da RDA e hoje carro de culto, que até é possível conduzir virtualmente.

Não falta, portanto, o que apreciar com olhos de ver nesta Capital Europeia da Cultura, muito além dos cerca de cem projetos e mil eventos programados. Finalmente, a cidade pode aspirar ao reconhecimento e libertar-se de vez da velha máxima local que a associava meramente à produção, a vizinha Leipzig ao comércio e Dresden ao desfrute.

Reportagem inicialmente publicada na edição da Volta ao Mundo de outubro de 2024

 

O património histórico é um dos focos de atração da cidade (Foto: Ernesto Uhlmann)

GUIA DE VIAGEM

IR
A Lufthansa tem voos diretos para Frankfurt e daí para Leipzig ou Dresden, ambas a cerca de uma hora de Chemnitz. Chegar ao destino final demora mais cerca de uma hora de comboio.

FICAR
Chemnitzer Hof
Elegante e muito confortável hotel de quatro estrelas, num edifício construído em 1930, que vale o preço só para ficar instalado junto à bonita Theater Platz. Por vezes tem promoções de fim de semana, pelo que vale a pena espreitar o site.

Super 8 by Wyndham Chemnitz
Alternativa bem mais económica, a 800 metros da estação de comboio e a poucos minutos do monumento de Karl Marx. Tem bicicletas de aluguer, uma boa opção para descobrir a cidade.

COMER
Kellerhaus Chemnitz
Para provar comida típica num edifício tradicional, com séculos de história e especialmente bonito.
Schloßberg, 2

Turm Brauhaus
Cervejaria rústica com comida tradicional, de joelho de porco a schnitzel, para apreciar com uma cerveja Chemnitzer Turmbräu, aqui produzida. Tem um pequeno museu dedicado à cerveja.
Neumarkt, 2

Mais informações: aqui e aqui

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