Caminhei durante cerca de meia hora a partir do monumento Selamat Datang, algumas centenas de metros por passeios de cimento, ao lado de uma enorme estrada, Jalan Thamrin, fluxo permanente de trânsito, carros, camionetas, bandos de motas a preencher os intervalos. O trânsito era um rio que, em vez de água, levava toda aquela chapa, fumo de canos de escape, homens com capacete, mulheres sentadas de lado no banco das motas. Selamat Datang significa bem-vindo em bahasa; pelo menos, assim me tinham dito, com um sorriso transbordante, esse mesmo sorriso a fazer-me sentir bem-vindo.
O sol existia na sua máxima força por detrás das nuvens. O céu cinzento e incandescente era um filtro que transformava o calor numa febre. Poupava a exposição direta e as queimaduras, favorecia a ebulição, sangue a ferver debaixo da pele, suor a ferver sobre a pele. Cruzei-me com pouca gente nesses passeios amplos, construídos para multidões. Sem o barulho permanente das motas, sem a habilidade daqueles motoristas, presença que contornava obstáculos, à procura do melhor caminho, aquele ponto de uma cidade com nove milhões e seiscentas mil pessoas pareceria um deserto, apenas alguns porteiros dos enormes prédios, escritórios, a olharem-me muito surpreendidos, quem é este?, para onde vai?
E, de repente, o topo do Monumento Nacional, habitualmente tratado pelo diminutivo: Monas. Apesar de ainda faltar bastante distância, talvez tanta como a que tinha caminhado até ali, ganhei novo ânimo. O topo do Monas, archote de betão com mais de 130 metros de altura, apontava-me o sentido. Esse encorajamento reduziu o tempo ou a perceção da sua passagem, cheguei à Medan Merdeka, Praça da Independência, em minutos que me pareceram poucos, mas que não contabilizei no relógio.
São interessantes as formas que os povos escolhem para simbolizar a luta pela independência: uma torre a querer chegar ao céu, fogo feito de pedra.
A manhã era irreversível, avançava em direção ao meio-dia. Nos jardins que circundam o Monas, grupos de estudantes aproveitavam a sombra de árvores pouco frondosas, rapazes com gorros de renda, raparigas de véu. A relva era rala e amarela. É duro suportar a sede sem poder mover-se, preso por raízes.
Admirei o monumento ao longe, à sombra. São interessantes as formas que os povos escolhem para simbolizar a luta pela independência: uma torre a querer chegar ao céu, fogo feito de pedra. E prossegui caminho. Das quatro saídas possíveis, rosa dos ventos, escolhi a que tinha mais ruído, no outro lado da praça. A música chamava-me, vozes gritadas em megafones chamavam-me.
Era uma manifestação: homens e mulheres com bandeiras a gritarem palavras de ordem, homens de camisa branca, lenços brancos atados à cabeça, mulheres de véu, sempre. Entre a multidão, aproveitando o ajuntamento, havia pequenos comércios informais: um monte de pijamas que as mulheres vasculhavam à procura de certo tamanho ou de certa cor; caixas empilhadas de comida instantânea, água quente que vendedora fornecia a partir de um termo.
Eu era o único estrangeiro. Olhava para toda a gente e, com muito mais olhos, toda a gente olhava para mim. Quando o primeiro pediu uma fotografia comigo, quando aceitei, todos os outros ganharam coragem. Não entendo bahasa, mas comunicámos.
Leia aqui todas as crónicas de José Luís Peixoto.
Percorra a galeria de imagens acima clicando sobre as setas.