Há três passagens possíveis: Futian, Huanggang e Luohu — correspondem a estações de metropolitano com os mesmos nomes. Em Shenzhen, como em várias cidades da China, o bilhete de metropolitano é uma pequena moeda de plástico que se compra nas máquinas. A partir do hotel em que estava hospedado, Futian era a passagem que mais me convinha, bastaram-me quatro estações para chegar lá.

Nessa manhã, chovia bastante. O céu sustentava aquele cinzento absoluto, constante. Apesar do calor escaldante, as gotas grossas não paravam. Fiz um caminho breve debaixo dessa chuva, a arrastar a mala com a mão direita e a tentar segurar um guarda-chuva barato com a esquerda. Sequei sob o ar condicionado do posto de controle.

A favor da corrente, no interior de uma multidão de milhares, segui por corredores amplos e longos. Após escadas rolantes e máquinas de raio X, quando cheguei à fronteira, avancei para a fila dos estrangeiros. Mostrei o passaporte no lado da China, continuei por novos corredores, outra iluminação, outro tipo de letra, e mostrei o passaporte no lado de Hong Kong.

Depois de ter cambiado dinheiro, comprei bilhete. Esperei poucos minutos pelo metropolitano que me levou a uma das zonas centrais de Hong Kong. Logo à chegada, enquanto atravessava os Novos Territórios, o sol era refletido em vários pontos da paisagem.

Não demorei muito desde o centro de Shenzhen ao centro de Hong Kong e, no entanto, fui de um mundo a outro mundo.

O espaço e o tempo não corresponderam a toda a distância da viagem. Não demorei muito desde o centro de Shenzhen ao centro de Hong Kong e, no entanto, fui de um mundo a outro mundo. Mais de vinte anos após o fim da administração inglesa, o contraste entre a China continental e os outros territórios (Hong Kong, neste caso) é ainda enorme. Entre tudo o que poderia enumerar, o maior contraste é a ignorância.

Aqui, no nosso Ocidente, todos sabemos algo sobre Hong Kong, temos alguma referência, mesmo que mínima, mesmo que apenas o Bruce Lee, ou a imagem vaga de um barco tradicional sob um fundo de arranha-céus. E o que sabemos sobre Shenzhen? Afinal, uma das maiores cidades da China, com quase o dobro da população de Hong Kong, com construções tão impressionantes ou mais do que o vizinho, montra de toda a produção tecnológica do país.

Por se chegar de metropolitano, por se atravessar a pé, a fronteira parece um detalhe mas, na realidade, continua a ser imensa, separa muito mais do que estamos dispostos a admitir. Os milhares de estrangeiros que passeiam pelas ruas de Hong Kong, que fazem escala no aeroporto, não têm qualquer intenção de ir a Shenzhen, desconhecem a sua existência. De cá para lá, a fronteira é opaca.

E de lá para cá, saberão eles mais sobre nós?

Nessa manhã, porque estava a chover muito e tinha malas pesadas, considerei ir de táxi até à fronteira com Hong Kong, sabia que essa era uma possibilidade. Tentei informar-me na receção do hotel, mas tive de desistir. Depois do alarido de várias pessoas a tentarem ajudar, ninguém conseguiu entender as palavras «táxi» ou «Hong Kong», que, como quase todas, são muito diferentes em mandarim.

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