Praias de sonho, destino de lua-de-mel e cheiro a exotismo. Parece um país de fantasia, mas foi forjado na realidade. Dos portugueses aos revolucionários de esquerda, as Seychelles são muito mais do que aparentam. Luxo e veracidade com sabor a caril.

Texto de Ricardo Santos

Vasco da Gama, tinhas tudo aqui. Praias de sonho, lindas mulheres, e mesmo assim não quiseste ficar.» É uma tradução livre, mas é a mensagem que se tira de uma das canções populares que os habitantes das Seychelles aprendem desde crianças. O ritmo é o da fusão histórica de culturas, com influências africanas, europeias, indianas e polinésias. A batida compassada acompanha o refrão «Vascô, Vascô dá Gamá» e continua no crioulo do arquipélago que é, também ele, uma das grandes provas do que pode ser o sucesso da fusão de culturas. E que terá começado com essa passagem do navegador português a caminho da Índia (na segunda viagem), em 1502. Foi ele quem identificou pela primeira vez estas ilhas de coral quando atravessava da Índia para África. Chamou lhes Almirantes. Quinze anos depois, uma nova frota portuguesa identificou toda a região e cada pedaço de terra rodeado de água, mas não reclamou o território. É esse o lamento da canção tradicional. E depois de conhecer as Seychelles, será esse também o lamento de cada português. Onde é que tinhas a cabeça, Vasco da Gama?

Os ingleses chegaram quase um século depois (1609), por acaso. Um navio perdeu o rumo e foi dar à ilha do Norte, hoje um resort privado que se avista da ilha principal, Mahé, onde William e Kate de Cambridge passaram a lua-de-mel – história contada por cada taxista das Seychelles que se preze. Apesar de ali terem encontrado madeira, água fresca, peixe e um porto de abrigo, os ingleses não reclamaram o território. E durante o século e meio que se seguiu só os piratas por aqui ancoraram, esperando pacientemente pelos navios carregados de fortunas que navegavam por estas águas.

Enquanto os piratas enriqueciam, as potências europeias foram tomando conta de outras ilhas da região. Os franceses ficaram com a Maurícia e, em 1744, uma expedição dirigida pelo explorador Lazare Picault, ordenada pelas autoridades mauricianas, marcou Mahé no mapa, era a maior das ilhas de granito do arquipélago. Só doze anos depois o conjunto de ilhas foi oficialmente reclamado com o nome de Séchelles, em homenagem ao ministro das Finanças do rei Luís XV, Jean Moreau de Séchelles. E em 1770 chegaram os primeiros colonos: quinze brancos, sete escravos e cinco indianos. Diz a lenda que entre eles havia apenas uma mulher. Plantaram canela e malaguetas, algodão e cana-de-açúcar e lá foram sobrevivendo. Veio a Revolução Francesa (1789) e os colonos decidiram que queriam ser independentes da Maurícia e de França. E durante vinte anos assim se mantiveram, abastecendo navios franceses, ingleses e árabes, nomeadamente os que transportavam escravos. Mas como tudo tem um fim, os britânicos chegaram em 1811 e quiseram ficar com todo o bolo deste entreposto comercial, alicerçando a sua defesa na luta contra o esclavagismo. Não se inventou nada no século XX com a desculpa da implementação da democracia nos países produtores de petróleo…

Victoria é considerada a capital mais pequena do mundo, com 26 mil habitantes, num total de 90 mil que habitam este pais com mais de cem ilhas.

O comércio de escravos era ilegal e os ingleses confrontaram os colonos com o apoio prestado aos traficantes de humanos. Capturaram esses navios de terror, libertaram as cargas humanas e estas acabaram por se estabelecer nas Seychelles, contribuindo para a população arco-íris com que hoje nos cruzamos nas ruas de Victoria, tida como a mais pequena capital do mundo. São 26 mil habitantes num total de 90 mil em todo o país. Uma cidade onde um templo hindu, uma mesquita muçulmana e uma igreja católica estão juntas num quarteirão, onde uma pequena réplica do londrino Big Ben faz as vezes de rotunda com mais trânsito da nação. É uma capital onde o cheiro a caril e a incenso é tão normal como o da brisa salgada que chega do mar ou da famosa terra molhada pela chuva que cai com frequência, sem incomodar, e que contribui para a imensa vegetação que cobre cada pedaço de terra.

No início do século XX, as Seychelles tornaram-se oficialmente colónia da Coroa Britânica, mas o interesse de Londres no território foi tão ténue que o francês se manteve como língua oficiosa. E até ao início da Segunda Guerra Mundial todo o país foi dominado por um pequeno grupo de famílias de origem francesa, proprietárias de plantações e para quem trabalhava uma população pobre, que falava crioulo e descendia dos primeiros escravos libertados. São os seus netos e bisnetos, de pele escura e olhos claros, de pele clara e olhos escuros, loiros e morenos, altos e baixos, gordos e magros, que nos recebem hoje nos restaurantes, nas lojas, nos hotéis e nos resorts que se tornaram a base da sustentação económica do país. Sim, são os serviços e a história que se combinam para a receita de sucesso que é o turismo das Seychelles.

Conhecido como destino de lua-de-mel, o país é muito mais do que isso. Há vida dentro e fora dos resorts e há um orgulho nacional que muitas vezes é confundido com antipatia ou prepotência. Calma, é só uma camada de defesa que os habitantes locais podem apresentar. Afinal, é o que acontece quando se é invadido constantemente por turistas de todo o mundo nos seus aviões privados e de múltiplas companhias internacionais ou nos navios de cruzeiro que chegam a Victoria e descarregam milhares de pessoas para meia dúzia de horas de descobertas. Ultrapassada essa primeira camada de defesa tão europeia, surge a simpatia que é herdada de África, Índia e Ásia. E chegam os sorrisos. Mas só para quem respeita a diferença.

A mistura europeia, africana, indiana e asiática é o segredo do sucesso do turismo. Quem o souber entender vai receber sorrisos sinceros.

É um destino caro. Não vale a pena estar com rodeios. Encontrar hotel a menos de cem euros por dia (quarto duplo) é tarefa complicada. Isto quando se tem um nível mínimo de conforto que não se dispensa. Os produtos consumidos são quase todos importados e o custo da insularidade paga-se no supermercado, no bar ou na conta do hotel.

Por outro lado, o valor equivale, na imensa maioria dos casos, à extrema qualidade. Basta visitar o hotel Maia, na ilha de Mahé, para se perceber que há um outro mundo nas Seychelles ao alcance de muito poucos. Com uma diária a rondar os dois mil euros, tudo incluído, aulas de yoga, mordomo, sem horários nem preocupações, este é um dos últimos paraísos na Terra. Dificilmente se encontra melhor.

É óbvio que este é o exemplo extremo, mas basta olhar para os programas das agências de viagens portuguesas para perceber que há muitas e boas outras opções a preços reais, para pessoas reais, com ordenados reais. Tome nota e pergunte por estes em Mahé: Kempinsky Seychelles Resort, Constance Ephelia Resort ou Avani Seychelles Barbarons Resort. E surpreenda-se.

A guerra de 1939-1945 trouxe novos desejos de independência por parte da população. No primeiro ano do conflito surgiu o primeiro partido político, a Associação de Contribuintes ou Pagadores de Impostos. Era composto por cerca de dois mil proprietários endinheirados que, após a guerra, ganharam o direito de voto para a primeira assembleia legislativa, em 1948.

Na década de 1960 surgiram outras forças políticas à esquerda e à direita, defendendo o socialismo e a independência (Partido do Povo Unido das Seychelles – SPUP) ou a manutenção do estado das coisas (Partido Democrático das Seychelles– SDP). Ganhou o segundo, que chegou ao poder em 1970. Seis anos depois, não havia volta a dar e ambas as forças queriam a independência. E aconteceu, a 29 de junho. Um ano depois, um golpe de Estado sem vítimas levou o líder do SPUP para a frente dos destinos das Seychelles. E nos dezasseis anos seguintes o arquipélago tornou-se terra de partido único. A abertura democrática surgiu em 1991, mas o presidente France-Albert René continuou em funções. Até 2004, quando passou a pasta ao seu parceiro de muitos anos, James Michel, ainda hoje no poder.

No inicio do século xx, as Seychelles tornaram-se colonia britânica, mas o interesse de Londres foi tão ténue que o francês se manteve como língua oficiosa.

Dos tempos de partido único ficaram as recordações, por exemplo, dos campos de aprendizagem e de trabalho em algumas das ilhas. Como a de St. Anne, mesmo em frente a Mahé e à capital Victoria. Os adolescentes e jovens dos 13 aos 20, aproximadamente, eram para lá enviados durante temporadas para aprender ofícios e interiorizar a mensagem política vigente. No coração de St. Anne só restam as antigas instalações desses campos. No próximo ano, abre por lá um Club Med.

A ligação de Mahé a Praslin, a segunda mais populosa (sete mil pessoas), faz-se numa hora. O ferry é de alta velocidade e é conveniente fazer a marcação com 48 horas de antecedência. Pode fazer-se mais em cima da hora, mas ter lugar depende da quantidade de pessoas em trânsito. Cuidado, se for sexta-feira, arrisca-se a ficar em terra. Praslin é a terra dos cocos de mer. São cocos machos e cocos fêmeas originários destas florestas, imagens de marca do país. Vai encontra-los um pouco por todo o lado, em fotografias, em desenhos, no carimbo do passaporte. Mas ao vivo há muito poucos locais onde vê-los, como o Jardim Botânico de Mahé ou a reserva natural de Vallée du Mai, em Praslin. E pode muito bem ser esse o ponto de partida para descobrir esta segunda ilha. O segundo poiso é o Constance Lemuria, um resort inserido numa propriedade com mais de 120 hectares, com o maior campo de golfe do arquipélago. Restaurantes, praias, bares, lojas, villas, está lá tudo.

A cada curva do caminho, é possível que encontre a praia de uma vida. Em todas elas há mar quente, palmeiras até ao areal e as famosas pedras arredondadas.

Fora do hotel, Praslin não desilude. A cada curva do caminho é muito provável que se encontre a praia de sonho de uma vida. Como a Anse Lazio, mar quente, palmeiras até ao areal e as inconfundíveis rochas arrendondadas e gigantescas plantadas à beira-mar. E depois não faltam enseadas para snorkelling, carrinhas de fast food onde se compram caixas de caril para comer na praia. Ou peixe assado, acompanhado por uma cerveja fresca (cerca de dois euros uma mini). Presume-se que, ao custo da insularidade, os comerciantes locais (na sua maioria de origem indiana ou paquistanesa) acrescentem o imposto pela vista deslumbrante. E para os mais afortunados que escolham um alojamento onde possam cozinhar fica o conselho. Dois quilos de peixe comprados diretamente ao pescador em Grand Anse (uma das localidades da ilha), já devidamente amanhado e limpo, fica por cerca de seis euros. Os mais irrequietos poderão dar a volta à ilha no autocarro local por cerca de trinta cêntimos de euro.

E a vinte minutos de barco está a mais bela praia do mundo. Quem o diz são as sucessivas classificações de revistas, sites e votações online. Chamam-lhe Anse Source d’Argent e está localizada numa propriedade privada a que só se pode aceder mediante o pagamento de um bilhete que custa à volta de sete euros. Serão provavelmente os sete euros mais bem gastos da sua vida. Além de permitir entradas e reentradas, o bilhete abre as portas para um sonho. É das praias mais fotografadas do mundo, a ver pela horda de turistas que começam a chegar por volta das dez da manhã. Chegue antes para conseguir um bom lugar e não fique pelas primeiras enseadas, há muitas mais numa distância de dez minutos a pé. Depois, é colocar a máscara e o tubo de snorkelling e deixar as horas passar, nadando entre peixes e cães vadios que pescam o que lhes é possível.

Apontada como a mais bela praia do mundo, Anse Source d’Argent tem entrada paga, mas serão os sete euros mais bem gastos da sua vida.

La Digue tem cerca de três mil habitantes e meia dúzia de carros. O transporte mais popular é a bicicleta e tudo está a curta distância. A estrada pavimentada não cobre toda a ilha, por isso há espaço e tempo para caminhadas e pedaladas na natureza. Acima de tudo, nas Seychelles, há tempo para ser feliz. E um cenário que não nos faz pensar noutra coisa senão em Vasco da Gama. Onde é que tu estavas com a cabeça, meu velho? Trocaste o paraíso por um punhado de especiarias.


Guia da viagem

Documentos: Passaporte; para estadas até 30 dias não é necessário visto
Moeda: Rupia (SCR). 1 euro equivale a 17 SCR
Fuso horário: GMT + 4 horas
Idioma: Inglês, Francês, Crioulo

Ir

A TUI Viagens disponibiliza uma série de ofertas e programas para as Seychelles a partir de 1804 euros por pessoa, sete noites. Informe-se em tui.pt ou junto da sua agência de viagens para descobrir os melhores preços e as melhores combinações para visitar as três ilhas. Voos de Lisboa para Mahé, via Istambul, com a Turkish Airlines e possibilidade de acesso ao lounge da companhia no aeroporto da capital turca. Saiba mais em turkishairlines.com.

Visitar

– Mahé

Jardim Botânico
Melhor local para ver as espécies de flora. No entanto, o grande ponto de interesse são as tartarugas terrestres que se tornaram imagem de marca do pais. Evite falar da aventura do antigo presidente da Republica português que se sentou no dorso de uma. E totalmente proibido e desadequado. Entrada por cerca de dez euros. Aberto das 08h00 as 17h00.

Praia de Beau Valon
E uma das praias públicas mais bonitas e badaladas de Mahé. Aproveite-a as quartas-feiras ao fim do dia, quando se inicia um mercado local que se estende ate por volta das 23h00. Comida, bebida e musica local com o pé na areia. Nos outros dias também se pode provar pratos típicos a custos modestos (cerca de 12 euros para duas pessoas).

– Praslin

Vallée de Mai
Reserva florestal onde crescem os famosos cocosdo-mar. O bilhete ronda os 20 euros por pessoa, mas estará a contribuir para a preservação de um local considerado Património da Humanidade pela UNESCO.

– La Digue

Anse Source D’Argent
E «a» praia. A que nos ficara para sempre na memória. Custo de entrada na propriedade a rondar os sete euros. Chegar lá de bicicleta aumenta a riqueza da experiência (aluguer da bicicleta por cerca de dez euros ao dia).

Ficar

– Mahé

Kempinsky Seychelles Resort
Baie Lazare
Tel.: +248 438 6666
Quarto duplo desde 320 euros por pessoa com pequeno-almoço
KEMPINSKY.COM

Constance Ephelia Resort
Port Launay
Tel.: +248 439 5000
Quarto duplo desde 485 euros com pequeno-almoço
CONSTANCEHOTELS.COM

Avani Seychelles Barbarons Resort
Barbarons
Tel.: +248 467 3000
Quarto duplo desde 260 euros por pessoa com pequeno-almoço
AVANIHOTELS.COM

– Praslin

Costance Lemuria
Petite Anse Kerlan
Tel.: +248 428 1281
Quarto duplo desde 410 euros com pequeno-almoço
CONSTANCEHOTELS.COM

– La Digue

Domaine de L’Orangeraie
Anse Severe
Tel.: +248 429 9999
Quarto duplo desde 620 euros com pequeno-almoço
ORANGERAIE.SC

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