A capital da Bélgica é muito mais do que a capital de um Estado membro da União Europeia, é a capital da própria União Europeia, onde estão sediadas a Comissão, o Conselho, e reparte com Estrasburgo o Parlamento Europeu. Um bom pretexto para conhecer melhor o que há para visitar de UE em Bruxelas.
Texto de Tiago Guilherme
A capital belga e europeia tem má fama. Fama de ser uma cidade cinzenta, triste, desinteressante, cheia de burocratas e ponto de passagem para outras mais apelativas como Paris, a trezentos quilómetros, ou Amesterdão, a cerca de duzentos. É uma ideia feita, talvez generalizada por aqueles que a visitam em trabalho por poucas horas. Mas Bruxelas é uma cidade vibrante, bem mais cosmopolita do que à primeira vista possa parecer. Além dos pontos turísticos famosos, como a Grand Place, a Manneken Pis, o Atomium, o Museu Hergé, tem restaurantes e pastelarias de indiscutível qualidade, bares de reconhecida originalidade, parques de grande dimensão, bons mercados ao ar livre, cervejarias com centenas cervejas, chocolaterias de primeiro nível.
A capital belga tem, sobretudo, de ser vivida para ser apreciada. Mas esse é um outro guia, um outro roteiro, um outro passeio, uma outra viagem. Com eleições para o Parlamento Europeu os pontos de interesse a ter em atenção são outros: os locais que um qualquer cidadão pode visitar para conhecer melhor as instituições europeias. Três deles no bairro europeu e um deles no Parque Heysel.
Parlamento Europeu
Basta chegar, entrar e esperar na fila, mostrar o Cartão de Cidadão, passar pelo detetor de metais – uma constante em todos os museus da Bruxelas –, ir buscar um áudio-guia e subir umas escadas para se chegar a um hall de entrada com uma fotografia gigante do parlamento e folhetos nas 24 línguas oficiais da União Europeia (UE). Depois é seguir pelos corredores, subir um elevador e entrar no hemiciclo com mais de 750 lugares para os eurodeputados. A vista de cima, onde os visitantes podem ir, é imponente, ainda que não tanto como a de Estrasburgo, que tem uma sala de dimensões ainda maiores. Nas laterais estão as salas dos tradutores e do lado direito fica o espaço reservado à língua portuguesa. Com sorte ainda se ouve um pouco de uma discussão parlamentar, mas o tempo para ficar no hemiciclo não é longo.
No regresso ainda se passa pelas bandeiras de cada um dos Estados membros, e não é raro os visitantes quererem fotografar-se junto da sua. Estas visitas ao Parlamento Europeu costumam demorar até cerca de 30 minutos e valem, em grande medida, para sentir o pulsar dos trabalhos parlamentares e recordar que são ali os gabinetes de todos os eurodeputados. Mas o espaço visitável é apenas uma ínfima parte de todo o edifício, todo ele um labirinto de corredores, salas, salões e grandes halls. No Parlamento Europeu de Bruxelas trabalham cerca de cinco mil pessoas e é uma autêntica pequena cidade. Já fora do edifício vale a pena dar um salto até à Esplanada Solidarnosc 1980, onde se pode apreciar a azáfama de funcionários e deputados bem como, com sorte, algum evento público que é comum realizar-se naquela praça. É também aqui que está a Estação Europa, que tem uma maqueta tridimensional interativa do Parlamento Europeu, onde é possível saber-se a história dos seus edifícios e sobre visitantes ilustres que por lá passaram.
Carlos Coelho, um português no mundo
É o português que há mais tempo exerce a função de eurodeputado. Reside em Bruxelas há vinte anos, tem 58 e é licenciado em Direito.
Texto de Tiago Guilherme
Há quantos anos vive em Bruxelas? Quais foram as suas primeiras impressões?
C.C – Cheguei há 20 anos, era um mundo completamente diferente daquele a que estava habituado. Tinha sido deputado nacional durante quase 20 anos e o Parlamento Europeu era um mundo de oportunidades. Acho que nestes 20 anos Lisboa mudou mais do que Bruxelas, que cresceu geograficamente e reforçou a construção no bairro europeu, mas mudou menos do que Lisboa. Não usufruo muito da cidade, vou todos os fins de semana a Portugal e moro perto do Parlamento. Atravesso o Parque Leopoldo e em cinco minutos estou no meu gabinete.
Como é viver em Bruxelas?
C.C – Vive-se com qualidade porque é uma cidade que é capital internacional, onde estão as instituições europeias, com milhares de pessoas de pelo menos 28 nacionalidades, mais as de outros países fora da UE. E depois há toda uma oferta de restaurantes de grande qualidade, diz-se até que é a capital europeia onde se come melhor. Ou seja, o melhor restaurante tailandês de toda a Europa diz-se que está em Bruxelas, o melhor japonês também há quem diga que é aqui. É sede da NATO e tem as relações bilaterais. Portugal, que é um país de dimensão média, tem cinco embaixadores em Bruxelas, porque tem três embaixadores na REPER na nossa embaixada junto da União Europeia, há o embaixador junto da NATO e há o embaixador bilateral que faz a relação Portugal-Bélgica. Há muita gente com poder de compra, o que tem como consequência uma grande qualidade de oferta.
O que aconselha a um turista português que venha a Bruxelas?
C.C – Se gosta de cerveja e de chocolate, está na cidade perfeita. Se gostar de viajar, sugiro que vá a Bruges e a Gant. Bruges é uma cidade medieval, histórica e conhecida como a Veneza do Norte, com belos canais. E indo a Bruges há que parar em Gant, que já foi a segunda cidade da Europa, depois de Paris. Foi um grande centro há alguns séculos e é muito bonita também. Aqui em Bruxelas sugiro três espaços diferentes, os museus reais de belas-artes, que na prática são quatro, o Centro Belga de Banda Desenhada e o Museu da Cidade, que fica na Grand Place, que é outro ponto turístico.
Quais os seus locais preferidos?
C.C – A Place Flagey, o Parque de Domaine du Val Duchesse. Para comer, o restaurante Samourai. O bar do Teatro Real Toone. Visitar os museus reais de Belas-Artes e a Catedral de São Miguel e Santa Gúdula. Passear a pé pelo Parque do Cinquantenaire.
Parlamentarium
Desde a sua abertura, em outubro de 2011, que já mais de dois milhões de pessoas visitaram este centro informativo, formativo e interativo sobre o Parlamento Europeu. O procedimento para entrar é o mesmo que existe para visitar o hemiciclo, e há que passar pelo detetores de metais. Depois começa-se a visita entrando num túnel em que uma voz ecoa «Bem-vindos ao Parlamento Europeu. Todas as vozes contam» em todas as 24 línguas. Seguem-se três maquetas dos três edifícios parlamentares em Bruxelas, Estrasburgo e Luxemburgo e entra-se numa zona sombria que relata com imagens as duas guerras mundiais do século XX e a devastação que a Europa sofreu. Entra-se depois numa outra sala contígua que explica os vários passos dados na integração europeia, com vídeos, fotografias, textos e vidros com mapas, mostrando a evolução da entrada de novos países.
Outra sala mostra as fotografias de todos os eurodeputados e a que grupos políticos pertencem, e numa outra os visitantes sentam-se num hemiciclo onde se obtém uma panorâmica de 360 graus do Parlamento, do seu funcionamento, da elaboração das leis e do impacto das políticas europeias na vida dos cidadãos. Ao lado abre-se um outro espaço amplo com um mapa interativo no chão. Aí os visitantes pegam nuns carrinhos com ecrãs e percorrem as regiões europeias podendo parar em 100 locais onde a União Europeia contribuiu de forma positiva.
Há ainda uma outra sala com sofás onde se ouve relatos de europeus que recorreram a programas da União com impacto nas suas vidas. Para grupos de escolas há também a hipótese de participarem num jogo de simulação. Ali, os jogadores são eurodeputados, tentam chegar a acordo com outros grupos parlamentares e até fazem conferências de imprensa. No final, tal como na Casa da História Europeia e Mini-Europa, há uma loja com merchandising da UE.
Bruxelas tem quatro locais visitáveis que permitem conhecer as instituições europeias e a história recente do Velho Continente.
Casa da história europeia
O edifício deste museu, que fica no aprazível Parque Leopoldo, junto ao Parlamento Europeu, foi construído em 1935 para alojar uma clínica dentária para crianças desfavorecidas, financiada por uma doação do empresário norte-americano George Eastman, o inventor da máquina fotográfica Kodak. O palacete, por si só, já vale a visita. Mas o museu acaba por ser surpreendente pela arquitetura de interiores e, sobretudo, pelos 1500 objetos cedidos por cerca de trezentos museus de toda a Europa. São os objetos que nos vão contando a história europeia, com maior incidência no século XX, em seis andares.
No piso 0 há uma cafetaria, uma loja e exposições temporárias, bem como o piso 1, que tem ainda um auditório. A exposição permanente começa no piso 2, em que se questiona o que é a Europa, mesmo geograficamente. O que distingue a Europa de outros continentes? Podemos falar de um passado partilhado? Há uma memória comum europeia? Aqui os objetos remetem-nos para essa viagem no tempo mais longínqua, às raízes, aos mitos e às lendas. E há um esforço de neutralidade na forma como os objetos e a evolução cronológica dos acontecimentos na Europa se desencadeiam pelos vários pisos. Mais do que dar respostas, a Casa da História Europeia parece querer que o visitante reflita e pense pela sua cabeça sobre os factos passados.
Na inauguração do museu, em maio de 2017, o presidente do Parlamento Europeu, Antonio Tajani, disse que «esta Casa é sobre as coisas que temos em comum, sobre os acontecimentos que vivemos juntos. É não só a Casa da História Europeia, mas também a casa da identidade europeia e da memória europeia». No último andar, o sexto, há lugar para a contemplação e para a reflexão, num grande sofá em círculo com um ecrã gigante no teto. O que nos faz sentir europeus? O que é a herança europeia? Este museu teve 150 mil visitantes num ano e passou a ser um local obrigatório para quem visita Bruxelas e tem interesse pelos assuntos europeus.
Mini-Europa
Fora do bairro europeu, onde está grande parte das instituições da UE, há um local que nos faz viajar pelos 28 Estados membros: a Mini-Europa. Fica no Parque Heysel, tristemente famoso pela tragédia no estádio com o mesmo nome, onde em 1985, na final da Taça dos Campeões Europeus, entre o Liverpool e a Juventus, vários hooligans ingleses provocaram a morte de 39 adeptos. É também neste parque que está um dos ex-líbris de Bruxelas, o Atomium, construído para a Exposição Mundial de 1958, representando um cristal de ferro. A Mini-Europa é um espaço ajardinado ao ar livre com cerca de 350 miniaturas, à escala 1/25, de monumentos de 80 cidades europeias. E ali está a nossa Torre de Belém, o Oceanário de Lisboa, a Ribeira do Porto, o Castelo de Guimarães e as casas típicas do Algarve, mas também a Torre Eiffel, a Torre de Pisa ou a Porta de Brandemburgo. Preço: adultos 15,80 euros.
Reportagem publicada na edição de junho de 2019 da Volta ao Mundo, número 295.
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