No outono, a região francesa muda de cor, mas o encanto mantém-se. Cidades históricas, algumas das plus belles villes de France, hotéis de charme e um cheiro único, motivos para fazer uma roadtrip não faltam. Uma espécie de postal perfeito, sem filtros.

Texto de João Ferreira Oliveira
Fotografias de Fernando Marques

Fica mais perto e é mais fácil do que parece. Apanha-se um avião em Lisboa ou no Porto para Marselha (cerca de duas horas de duração desde a capital e 1h50 a partir do norte), aluga-se um carro no Hall 4 do aeroporto, segue-se em direção a oeste e, voilá, em poucos minutos eis-nos a conduzir nas mais belas estradas de França, da Europa. O ritmo, a paisagem e, sobretudo, o cheiro são outros. Como se alguém tivesse perfumado o ar de uma região inteira.

Há muito quem faça roadtrips em França, basta ver as autocaravanas e os carros alugados com quem nos cruzamos, mas convenhamos que este não será propriamente o primeiro destino que vem à cabeça dos portugueses quando se pensa numa viagem ao volante. Espanha, sim, desde logo pela proximidade, Marrocos é Marrocos, já se sabe, mas França… Para alguns fica já demasiado longe, para outros (quase
todos?) remete para as longas travessias dos emigrantes, mais fado do que férias. Um erro. Sobretudo quando o destino é a região de Provence.

Uma região demasiado perfeitinha, de cartão-postal, dirão alguns. Sim e sim. São inúmeros os momentos em que dá vontade de parar, correr por entre as flores, tirar aquela foto, fazer figuras. Não somos os únicos. De repente para um carro, um Porsche, depois um Mercedes, um BMW e um Ferrari. As matrículas são do Mónaco, a língua e o dinheiro são russos. Telemóveis em punho, chapéus na cabeça, cabelos e peito ao vento e eis a imagem de perfil, o post de Instagram perfeito.

Sim, a região é isto, mas não só. Provence tem cheiro e fama de região-postal, mas não nasceu na era do Instagram, já vem do tempo dos romanos – uma das fronteiras naturais da região é o rio Ródano, outrora uma das mais importantes rotas de comércio do Mediterrâneo – tem várias camadas, muita história, inúmeras cidades históricas. Avignon e Arles à cabeça, ambas na lista de Património da UNESCO. O resto é aquela dose de charme, o savoir faire, o je ne sais quoi que, justa e juntamente com a arrogância, tantas vezes se associa aos franceses. Sem filtros, para o bem e para o mal. Neste caso, para o bem. Eis alguns dos lugares que mais nos marcaram.

A forma como os franceses tratam o património é exemplar. E Provence está repleta de locais históricos. Como a bela e imponente Pont du Gard.

Pont du Gard

É o exemplo de como os franceses tratam o património. A determinada altura sabemos que estamos perto, mas a ponte nunca mais aparece… até que, por fim, surge uma placa a indicar Pont du Gard. Vai dar a um parque de estacionamento. Pago. Deve haver (não há) outra entrada onde possamos ver e fotografá-la ao longe, sem pagar nada, pensamos. 8,5 euros de entrada!? Tanto dinheiro para ver uma ponte?

É claro que não é uma ponte qualquer. É a ponte antiga mais visitada do país, a mais alta do mundo (49 metros de altura), Património da UNESCO desde 1985, uma ponte-aqueduto romana com mais de 2000 anos, parte integrante de uma estrutura de abastecimento de água, de Uzès até Nîmes, numa distância de cinquenta quilómetros. Está tudo explicado no museu, na ludoceca, nas visitas guiadas. Não se pense, contudo, que se vem para aqui aprender uma lição.

Este é também um parque natural, carregado de vegetação mediterrânica e inúmeras áreas onde se pode fazer passeios pedestres, piqueniques, andar de bicicleta e de caiaque e mergulhar no rio. No Ródano, pois claro. Era para ser uma visita rápida, mas quando se dá por isso a tarde passou.

Les Baux-de-Provence

O número de autocarros deixa, antever que se trata de um sítio turístico. Os números também: 1,5 milhões de visitantes numa pequena aldeia com cerca de quinhentas pessoas. Apenas algumas dezenas na zona muralhada. Demasiado turístico? Nem tudo o que faz parte dos tours organizados é obrigatoriamente mau. Esta sui generis aldeia medieval é um desses casos.

Está situada apouco mais de duzentos metros de altitude, mas tem um castelo e uma vista de 360 graus para os Alpilles – pequena cadeia montanhosa de calcário da qual é uma das mais nobres embaixadoras. Uma das plus belles villes de France, dizem os guias. Diz toda a gente. Como em Óbidos – a nossa Le Baux de Provence, com as devidas distâncias – há lojas de tudo e mais alguma coisa, se bem que os nogauts caseiros e os sabonetes de Marselha quase não deixam espaço na mala para mais souvenirs.

Há também uma aposta forte na cultura. São várias as galerias e as exposições, uma delas (literalmente) no topo – Picasso Mon Ami. Uma série de retratos do pintor espanhol, expostos ao ar livre, até 28 de outubro, da autoria de Lucien Clergue, que foi fotógrafo e presidente da Academia das Belas-Artes francesa. Por falar em Picasso, um pouco mais abaixo, no Carrières de Lumières, uma espécie de Centro de Artes esculpido na pedra, organizam-se exposições imersivas, multimédia. Até 6 de janeiro está patente a exposição Picasso & the Spanish Masters, em que são projetadas em 3D na parede obras de Picasso, mas também de Goya, Rusiñol, Ignacio Zuloaga ou Joaquín Sorolla. Oh là là ouve-se vezes sem conta. E não é para menos.

Château La Coste

Tem um hotel (Villa la Coste), com spa e todas as mordomias que se espera num alojamento de luxo; tem dois chefs famosos ao volante da cozinha, entre eles o argentino Francis Mallmann, conhecido pelos seus grelhados a céu aberto – é ver o terceiro episódio da série Chef’s Table, na Netflix, que vale a pena; tem 123 hectares de vinhas, vinhos premiados e uma adega subterrânea de quinze mil metros quadrados projetada por Jean Novel; o Château la Coste, a quinze quilómetros de Aix-en-Provence, tem tudo isto, mas não é isto que mais impressiona.

O que mais impressiona são as suas obras de arte, de arquitetura, espalhadas pela propriedade. Se 123 dos 220 hectares estão reservados às vinhas, nos restantes foram plantadas 28 esculturas feitas por nomes como Alexander Calder, Liam Gillick, Richard Serra, Frank Gehry, Renzo Piano, Tadao Ando ou Jean Nouvel. Basta dizer que os quatro últimos são todos Prémio Pritzker.

O que mais impressiona são as suas obras de arte, de arquitetura, espalhadas pela propriedade.

Tadao Ando, que concebeu também o Centro de Arte da quinta, recorreu a muitos dos elementos (japoneses) que distinguem a sua obra, mas assume que se apaixonou pela região e tentou capturar o espírito das pinturas Paul Cézanne. Cézanne nasceu em Aix-en-Provence. Trabalhos integrados na paisagem, por entre colinas repletas de vinhas e oliveiras, que podem ser feitas a pé, de mapa na mão, num percurso que demora cerca de duas horas.

Avignon e Arles

Quem é que nunca ouviu falar de Avignon? Arles talvez não tanto, mas também. Ficam na margem esquerda do Ródono (a cerca de cinquenta quilómetros de distância entre si), por isso é normal que aqui se respire arquitetura, história. É verdade que Avignon é maior e mais turística – quase cerca de cem mil habitantes «contra» menos de cinquenta mil de Arles – mas mantêm ambas uma aura de província. E têm ambas locais classificados como Património da UNESCO.

Em Avignon foram distinguidos o Centro Histórico, o Palácio dos Papas, o Complexo episcopal e a Ponte de Avignon.

No caso de Arles, uma arena em tudo semelhante ao Coliseu de Roma, o Teatro Romano e o Criptopórtico. A cidade chegou mesmo a ser conhecida como a «pequena Roma dos gauleses». A terra onde Van Gogh viveu durante mais do um ano e uma das fases mais produtivas da carreira.

Em Avignon foram distinguidos o Centro Histórico, o Palácio dos Papas, o Complexo episcopal e a Ponte de Avignon. A cidade foi sede da Igreja Católica entre 1309 e 1377. Sente-se o peso da história, mas não são dois destinos pesados, bem pelo contrário. O centro está cheio de pequenos cafés, de vida e, em Avignon, uma casa portuguesa (L’Amarante) onde é possível beber uma cervejinha e comer um pastel de nata servidos por Cecília, uma filha de Amarante. Francês mais francês não há.


Guia de viagem

Moeda: Euro
Fuso Horário: GMT +1 hora
Idioma: Francês

Ir

A TAP voa do Porto e de Lisboa para Marselha por preços a partir de 37 euros. Cerca de duas horas de duração desde a capital e 1h50 a partir da Invicta.

Dormir

Hotel Le Vieux Castillon
Nem toda a gente quer – e, sobretudo, pode – ficar em locais destes, seja como for é difícil ficar indiferente a locais destes. Encarna o charme francês, o referido savoir faire. Um luxo discreto, sereno, serviços de qualidade (quatro estrelas), arquitetura que junta pedras da Renascença a um design contemporâneo e localização de excelência, no coração da pequena vila medieval de Castillon-du- Gard. Sim, estão aqui todos aqueles lugares-comuns. E mais um, a piscina, protegida por uma parede em ruínas, parcialmente coberta pela vegetação e com vista total para o campo. Postal mais postal não há. É também a base perfeita para descobrir a região de Camargue, que faz fronteira com a Provence. Em abono da verdade, o hotel fica já nesta região, a dois minutos da Pont du Gard.
Quarto duplo a partir de 168 euros por pessoa. Com 30 dias de antecedência fica por 116 euros.
VIEUXCASTILLON.FR

Visitar

Pont du Gard
Aberto das 09h00 às 20h00.
Entrada a partir de 8,5 euros.
É possível passear no topo do aqueduto.
PONTDUGARD.FR

Château la Coste
Bilhetes a partir de 12 euros. A partir de 20 euros com direito a visita às caves e prova de degustação.
CHATEAU-LA-COSTE.COM

Les Baux-de-Provence
A entrada no castelo (e exposição Picasso Mon Ami) custa 8,50 euros.
Bilhete Carrières de Lumières, 13 euros por pessoa.
LESBAUXDEPROVENCE.COM
CARRIERES-LUMIERES.COM

L’Amaante (Avignon)
7 Rue Favart.
De terça a sábado, das 10h00 às 18h00.


Uma parceria:


Reportagem publicada originalmente na edição de outubro de 2018 da revista Volta ao Mundo, número 288.

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