Cidades da costa norte-atlântica marroquina da região de Tânger‑Tetuão guardam lições de história, sabores autênticos e experiências que apetece descobrir. Sempre com o oceano aos pés.

Texto de André Rosa
Fotografias de Orlando Almeida

Tânger A porta de entrada

Uma brisa fresca acaricia‑nos o rosto, vencendo o calor dos últimos raios de sol que vão descendo sobre a esplanada do Café Hafa, uma das mais bonitas portas de entrada na movida de Tânger, a norte de Marrocos. Recostadas nas cadeiras de pedra colorida, à sombra das árvores e com vista para o mar, centenas de pessoas deliciam‑se com o chá de menta, entregue a fumegar e mais açucarado do que é desejável. É uma especialidade deste famoso café, fundado em 1921 sobre uma falésia de onde se tem vistas capazes de tirar o fôlego.

Em dias de céu muito limpo, até se consegue avistar a costa espanhola, num promontório apontado à Europa. Mas a união do mar Mediterrâneo, de cor escura, com o oceano Atlântico, de azul vibrante, acontece a vinte minutos de carro dali, no estreito de Gibraltar, onde o farol do cabo Espartel, erguido em 1965, atrai todas as atenções.

As luzes que brilham ao cair da noite na mais movimentada rua da medina e do souk (mercado) de Tânger ostentam montras e letreiros comerciais. Uma massa humana percorre‑o em todas as direções, num quadro tingido pelas cores garridas das lojas de artesanato, cafés e esplanadas. As mercadorias são tantas e tão profusas que extravasam os limites das lojas: há babuchas e jilabas para todas as modas, tapetes, pratas, malas de couro curtido de odor intenso, cerâmicas, pedras do deserto.

No momento da compra, negocia‑se os preços com os simpáticos e prestáveis vendedores (modos de ser enraizados na cultura marroquina), e nem a língua é um entrave, pois quem não domina o francês pode comunicar em inglês, espanhol e até «portunhol», com a certeza de sair entendido e, com algum jeito negocial, satisfeito.

É seguro caminhar entre as ruas estreitas e apinhadas de gente. No centro da medina, deixamo-nos levar pelos sons dos instrumentos tocados ao vivo no primeiro piso do Hamadi. Cinco homens de vestes tradicionais dão música à sala enquanto os clientes entram naquele restaurante aberto desde os anos 1950, decorado com candeeiros marroquinos a meia luz, almofadas e paredes coloridas. Quando a tagine de frango e o cuscuz chegam à mesa, não desiludem, ainda para mais se acompanhados de vinho ou cerveja marroquina (para vender álcool, os restaurantes e hotéis precisam de uma licença). O chá de menta é mesmo a melhor opção.

Larache Lixus, a cidade-berço

Tânger tem um milhão de habitantes, é uma das mais importantes regiões económicas do país, depois de Casablanca, e tem apostado fortemente no turismo, no setor naval e na indústria com a construção de um novo porto comercial. A estratégia é perseguida noutras cidades da costa atlântica, como Larache, 85 quilómetros a sul, e onde as principais atividades são a agricultura, o turismo, a produção de madeira e de sal. A elas soma‑se a pesca, uma rede de subsistência milenar, praticada desde o tempo da civilização fenícia, que povoou aquele território por volta do século VII a.C.

Os fenícios tornaram a cidade de Lixus o primeiro entreposto comercial do Norte de África. Seguiram se cartagineses e romanos, tendo sido deles que chegaram até nós importantes vestígios arqueológicos do seu império naquela zona. Estas e outras histórias são desenterradas por Jalal Elhannach, o guia do Sítio Arqueológico de Lixus que orienta os visitantes pela colina com assertividade no passo, tranquilidade na voz e experiência de longos anos.

O Lixus Beach Resort, a 12 quilómetros de Larache, tem cinco hectares de área, 224 quartos, spa, campo de golfe, dois restaurantes e uma praia atlântica com oferta de desportos náuticos.

O caminho faz se entre alguns dos 45 tanques de salga de peixe que equipavam as dez fábricas situadas na zona, quase metade das que existiam em toda a Lixus. Apesar do estado de ruína do complexo, ainda se observam debaixo da vegetação selvagem os canais por onde corria a água bombeada de enormes cisternas (graças a um sistema de canalização), tal como se vê o que restou dos armazéns onde era guardado o molho de peixe mais apetecido do império – o garum –, as respetivas ânforas e material de pesca.

O percurso íngreme parece não ter fim, acometidos que somos por um sol a pique, mas logo compensa com uma vista panorâmica do rio Locus que serpenteia lá em baixo em direção a Larache. Na verdade, o seu curso acompanha toda a visita, que revela ainda o único anfiteatro romano existente em Marrocos, onde os gladiadores enfrentavam a ferocidade dos leões; não longe, as famosas termas romanas, cisternas, um templo em honra de Neptuno e um lagar de azeite de origem fenícia.

Apesar de apenas vinte por cento de todo o complexo de ruínas de Lixus se encontrar visível – ao fim de anos de escavações arqueológicas lideradas por italianos, franceses e marroquinos –, o guia Jalal não encurta o passo, pois ainda há que ver o Bairro dos Templos, no cume da montanha, onde as famílias ricas construíram as suas residências. Os mosaicos que adornavam o pavimento dos banhos públicos, com referências a Helios, Marte, Rea, Vénus e Adónis, foram retirados e encontram se no museu arqueológico de Tetuão. Já durante a última escavação, arqueólogos italianos e marroquinos descobriram aquilo que terá sido uma antiga mesquita islâmica, com o mihrab, uma pedra virada para Meca.

São estas e outras histórias que Jalal Elhannach, de 32 anos, conta durante as visitas guiadas que já faz há onze anos, depois de ter herdado a experiência do pai e do avô, ele que foi guia do local durante mais de quarenta anos. Hoje, também o irmão lhe segue as pisadas por aqueles trilhos agrestes e à espera de serem descobertos uma e outra vez.

As ruínas de Lixus são o testemunho dos povos que por aqui passaram: fenícios, cartagineses e romanos. Pesca e salga de peixe eram as atividades principais.

A estrada que circunda o rio Locus leva nos à atual cidade, cujo nome de origem berbere significa «jardim com muitas plantas». Os árabes construíram na em cima do mar, aquando da conquista da zona setentrional de África, e já no século XV viram se atacados por Portugal. A cidade manteve se abandonada desde então, até que o sultão Mohamed es Said ordenou a sua reconstrução, incluindo uma fortaleza de onde partiam corsários contra as investidas marítimas europeias. Mas foi o reinado de Espanha que ali exerceu maior influência, a partir do século XVII, deixando marcas visíveis na arquitetura de estilo andaluz da parte nova da cidade, em contraste com os traços mouriscos da parte antiga.

Essa transição urbanística é assinalada pela Praça de Espanha, rodeada de bonitas casas de arquitetura espanhola. Na placa central, erguem se enormes palmeiras, bancos de jardim e uma fonte. A imponente porta Bab Marra, do outro lado da estrada, recebe nos na medina de Larache. É uma manhã tranquila, e à primeira vista, parece uma vulgar feira da ladra – tantos são os vendedores de roupa, sapatos, artesanato e equipamentos eletrónicos com os produtos expostos em toalhas pelo chão –, mas logo revela a sua beleza característica nas ruas labirínticas que a rasgam de uma ponta à outra.

As casas pintadas de branco e azul-turquesa reavivam a imagem que se tem das medinas marroquinas. Esta é autêntica: mora ali gente. Saem para ir ao forno comunitário cozer entre dois e quatro pães numa tábua e depois vendem nos na rua (numa toalha ao sol) a dois dirhams cada um. Mulheres carregam sacos de compras com romãs, ameixas, pêssegos, uvas e todo o tipo de fruta vindas do mercado, enquanto os homens, que aparentam estar sempre em acerto de negócios, conversam em voz alta e estugam o passo.

Arzila Cheia de história e arte

Arzila, que em tempos foi um importante porto comercial para romanos e cartagineses, é um testemunho vivo da ambição territorial da coroa portuguesa. Em 1471, Afonso V enviou trinta mil soldados e quinhentos navios para conquistar a cidade, onde os portugueses se mantiveram até 1550. Nesse período, construíram se importantes fortificações, como a muralha com mais de quinhentos nos que nos acompanha hoje a partir da porta Bab al Kasaba, e a torre de menagem de estilo medieval que se impõe na Praça Sidi Ali ben Hamdush (e que foi recuperada pela Fundação Calouste Gulbenkian). O crescimento daquele reduto português na costa norte de África foi de tal ordem que Arzila se tornou um ponto incontornável nas rotas do ouro, estratégia económica que também interessava ao reino manter.

Os portugueses foram expulsos de Arzila em 1550, mas voltaram em 1577 impelidos por D. Sebastião, que viria a morrer na trágica Batalha de Alcácer-Quibir em 1578. Quando Filipe II (I de Portugal) devolveu a cidade ao sultão saadiano al Mansur, em 1589, caiu por terra a tentativa de Portugal a conquistar. Para contar a história, ficaram duas portas portuguesas por onde hoje se entra e sai da medina: uma no porto e outra, a Bab Homar, onde ainda se observa o brasão português, na parte interior da cidade.

O perímetro amuralhado acolhe a medina, palco sazonal de outro tipo de manifestações: a arte urbana criada todos os anos durante o festival de verão, que atrai à cidade artistas e visitantes. Se uns vão lá para pintar murais com rostos enigmáticos, padrões garridos ou animais oníricos, outros vão de máquina fotográfica e telemóvel em punho para os fotografar. É uma tela urbana a céu aberto que dá luz às ruas estreitas da medina, de onde volta e meia se avista o mar.

A cada esquina, uma porta destaca se pela sua beleza, pelos ladrilhos no chão ou por conchas azuis coladas em círculos na parede. O festival realiza se desde o final dos anos 1970, para recuperar a medina do abandono vivido após a independência da ocupação espanhola, e tem levado cada vez mais turistas a Arzila.

A paleta de cores vibrantes estende se à saída na porta Bab Homar, onde dezenas de pessoas se ocupam de afazeres diários. Passam carregamentos de fruta em motorizadas; vende se pão e de tudo um pouco em pequenos estabelecimentos abarracados. Quem se atrever a entrar numa loja de artesanato perderá a cabeça entre tantas tagines e peças tradicionais empilhadas até ao teto. Estamos na avenida principal, a Hassan II, e a esta hora os restaurantes, com enormes esplanadas à frente, já começam a preparar as refeições para o almoço.

De regresso à porta principal, surge um novo ponto de interesse português: um canhão de bronze que em tempos protegeu a muralha. Enorme, meio escondido pelas árvores do jardim que se estende em frente, dizem nos que ainda assim houve quem tivesse tentado roubá-lo, para derreter. E o sol não dá tréguas, apesar de uma brisa soprar. É tempo de deixar Arzila e Marrocos, em direção a casa. A par do encontro de símbolos e vestígios da presença portuguesa naquelas paragens, voltamos com a certeza de ter percorrido uma parte de um país repleto de motivos para merecer a visita.


Guia de viagem

Moeda: DIRHAM (MAD). Um euro equivale a 11,35 MAD EURO EQUIVALE A 11,35 MAD. Em termos práticos, uma viagem nos táxis citadinos (bem regateada) nunca ultrapassará os cinco euros e uma água de 33 ml pode custar cerca de cinquenta cêntimos, num restaurante.
Fuso horário: GMT (igual a Portugal Continental)
Idioma: a língua oficial é o árabe, embora o país use o francês como segunda língua. Em algumas zonas é falado o amazigh, nome dado às línguas berberes. Castelhano também é falado informalmente.

Ir
Desde novembro que a TAP tem voos diretos para FEZ, a partir de 111 euros.
Durante os meses de verão são vários os operadores que organizam voos charter para os resorts da costa mediterrânica marroquina, já com hotel incluído. Para descobrir as localidades da costa atlântica, poderá aproveitar estes pacotes de viagem e alugar um carro ou requisitar os serviços dos táxis ou guias locais.

Ficar
LARACHE
– LIXUS BEACH RESORT
Em Larache, a 60 quilómetros do aeroporto de Tânger. Tem 250 quartos e é um dos mais recentes a abrir na costa atlântica marroquina. Tem dois restaurantes (um deles com buffet local e internacional), uma piscina ladeada por palmeiras, bar de apoio, spa com massagens, tratamentos e piscina aquecida, cabeleireiro e um anfiteatro ao ar livre onde a equipa de animadores dá espetáculos musicais e recebe artistas locais convidados. Além de um court de ténis, tem campo de golfe nas imediações e quilómetros de praia em frente, com espreguiçadeiras do hotel. O estacionamento exterior é gratuito.
Quarto duplo com vista para o mar a partir de 144 euros por noite.
LIXUSBEACHRESORT.COM

Comer
LARACHE
– ANDALUCIA

O restaurante oferece um primeiro andar com vista privilegiada sobre o porto de pesca de Larache. Compensa a simplicidade do espaço e do atendimento com pratos de sabor tradicional. De entrada serve-se beringela com tomate e anchovas, por exemplo, uma chávena de sopa de peixe e para prato principal pode pedir-se uma espécie de paelha marroquina de peixe ou carne, entre outros.

Visitar
LIXUS
– SÍTIO ARQUEOLÓGICO
É o local onde existiu uma cidade no século XII a.C. Os fenícios chegaram cinco séculos depois, seguidos pelos cartagineses, berberes, romanos e árabes. Na década de 1950 o local foi escavado e recuperado e o que hoje está à vista é apenas vinte por cento da área total. Lixus entrou para a lista do Património Mundial distinguido pela UNESCO em julho de 1995.

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