Sempre me disseram que Itália é que era. E quem mo dizia não se enganava. O país dos Césares e dos impérios, da arte e da política, dos príncipes e dos heróis, de todos os anjos e santos, fonte de toda a história e galeria de todas as artes do Ocidente, é um lugar esmagador.
Os dez dias em que os viajantes andaram pelas estradas, escolheram ementas, esbugalharam os olhos e dormiram em quartos com três camas foram uma experiência inesquecível. Dessas que ficam do «outro lado da vida» como dizia o escritor francês Louis Ferdinand Celine citando Litré que, como todos sabem, nunca se engana: viajar é do outro lado da vida.

Nesta viagem ninguém conseguiu ficar indiferente. Nem o pai de quarenta e muitos anos, que não conhecia o Norte de Itália, nem os seus dois filhos, o Diogo de 15 e a Carolina, com 11 (havia de fazer 12 anos em Veneza), que nunca tinham estado na maior península do Adriático. A Carolina, mais pequena, mas mais viajada (os filhos mais novos nunca são poupados pelas preocupações gregárias com que os pais demonstram incompreensível afeto aos primogénitos), escrevia assim a última entrada no seu diário de bordo, dez dias depois de terem aterrado às 23h55 no aeroporto de Milão, Malpensa: «Esta foi a melhor viagem!»

Foram muito felizes os viajantes na Itália do Norte. Na terra dos Medici, dos Sforza e dos doges de Veneza; na utopia de Gabriele d’Annunzio; no sonho rico da indústria automóvel de Turim e do turismo arco-íris de Rapallo e Portofino; na terra das vinhas perfeitas e girassóis que é a Toscana; na Itália burguesa das praias urbanizadas de Rimini e, claro, das vielas líquidas de Veneza, que são o maior parque de diversões adulto do universo. Mesmo sem contar com as extraordinárias experiências que seriam a Expo em Milão e a Bienal em Veneza.

Fazer as malas. A decisão parecia fácil. Afinal a Itália é muito perto. Duas horas e meia de avião. O voo relativamente barato: três pessoas ir e vir, 508,35 euros já com lugar marcado, check in feito, à ida e à volta, e uma mala extra. O suficiente para estar sempre fresco e asseado durante os dias de viagem. Com uma oferta de hotéis das mais extensas do universo, mais de 90 mil diz o site booking.com, exatamente o dobro de Espanha e nove vezes mais que Portugal.

Para os colecionadores de estatísticas aqui vai outra: em 2013 Itália foi o quinto maior destino mundial de turismo com quase 48 milhões de visitantes. O Banco Mundial diz que, maiores, só a França, os EUA, a Espanha e a China. E se não era César a atravessar o Rubicão, era, como disse o Diogo, «o pai de telemóvel na mão a reservar o avião»– estávamos lá.

Depois do avião, indispensável para poupar no tempo da viagem (se fosse feita por terra seriam 20 horas e 2130 km agarrados ao volante), o que os viajantes precisam é de um carro. Una macchina, como se diz no vale do Pó. No capítulo motorizado as hipóteses são muitas: comprar de avanço pela internet, alugar no aeroporto ou ir alugando, à medida dos destinos que o destino nos reserva. O capítulo automóvel foi pautado pela simplicidade. Não foi a solução mais económica mas sim a mais confortável. Primeiro: os carros agora vêm com internet. Um router sem limite de tráfego de dados que, por apenas mais nove euros por dia, nos poupa centenas de euros em roaming. Enquanto esperamos por 2016 e pela abolição das taxas na UE é o dinheiro mais bem gasto que se pode imaginar. Serve de telefone, internet, GPS, guia Michelin e até de movie center.

Podemos alugar antes de partir num dos muitos sites que prometem carros baratos na internet. No nosso caso era um Citroën Cactus que, na altura do contrato, se transformou num Fiat 500L — batizámolo de Capuleto porque era um menino com formas de menina e tinha um ronronar de Julieta. Mas cuidado, as compras na internet não mostram os extras que depois sempre se acrescentam: seguros, taxas de circulação, condutores extra, taxas de lavagem, identificadores de portagens e outros impostos que podem facilmente atirar um bom negócio para o dobro do inicial. Neste caso, dez dias de aluguer prometidos pela rentalcars.com a 450 euros, feitas todas as contas, ficaram a 900.

Vongole, vongole, vongole. Uma das experiências mais notáveis em Itália é ir a restaurantes. Entre paste e pizzeosterie e trattorie, a cada dia se experimentam coisas novas. A mais petiz da família ficou obcecada com um prato em especial – spaghetti al vongole (esparguete com amêijoas). Escolheu-o sempre que havia, várias vezes e à força da devoção, parecia nativa na altura do pedido. Prego signorina! – respondiam i camerieri encantados pelo sorriso da Carolina.

A oferta gastronómica nunca deixa créditos por menus alheios. Das constantes amêijoas já falámos, mas em nada elas perdem para a trattoria Galleone que, nas ruas estreitas do Porto de Génova, fora de horas e sem ar condicionado, nos serviu testaroli al pestofiore de zucca in pastella con burrata e acciughe acompanhados dos vinhos da casa da Toscana, da Ligúria e do Piemonte, todos baratos honestos e pouco alcoólicos mas com a acidez e a fruta que em Portugal só se consegue aos 14 graus. E por aí fora, de cidade em cidade, de ravioli de Rimini a javali de Siena. Se o seu pecado é a gula, a sua terra é Itália.

Pisa foi uma das passagens no itinerário. Ninguém resiste à foto da praxe.

É tão vasta a criatividade que até o Diogo, recente praticante de uma rigorosa dieta vegetariana que muitas vezes limita a criatividade gastronómica do melhor duas estrelas Michelin, se espantava com a quantidade e com a qualidade das escolhas em quase todos os lugares.

Também de gastronomia se faz a viagem em família. E que melhor país que Itália nesta matéria?

O que tornou esta viagem única e inesquecível foi a imprevisibilidade. Todos os dias ao acordar ainda não sabíamos o que íamos visitar, onde íamos comer ou onde íamos dormir, partíamos em busca da aventura nas belas cidades italianas, uma por uma, dia após dia.

Como toda a viagem foi feita sem horário, e apenas o do avião de regresso era certo, nunca houve falta de tempo. Era assim como um ritual lânguido, lento e feliz – levantar, e no pequeno-almoço o plano para a manhã, passeio e olhos cheios, almoço coisas boas, wi-fi, e escolher a cidade e o hotel daquela noite, mais passeio de tarde e gelados italianos em toda a parte e fé infinita no Capuleto que com conforto e desembaraço nos entregou sempre no hotel de destino.

Para quem viaja em número ímpar, todas as viagens trazem um problema extra: há sempre uma cama a menos. Nos hotéis escolhidos, com uma ou duas exceções, apesar de a reserva ser sempre feita para três, éramos sempre presenteados com quartos de apenas uma cama. É certo que era gigante e quadrada, capaz de acomodar uma meia dúzia de adolescentes em festa mas, neste caso, vinha sempre acrescentada de um duro e improvisado colchão (palavra do Diogo, a quem sempre coube em sorte) em cima de uma baixa estrutura metálica.

Feliz ou infelizmente, nesta família há um membro que gosta e desfruta da sua ocasional solidão: o Diogo, o mais velho dos mais pequenos. Fazendo-se de voluntário, fechava-se à noite na sua pequena cama, refletia no dia que tinha passado, no que tinha visto e deixado para ver, no mais bonito e mais esquisito e, por fim, procurava na sua mente a melhor de todas as espetaculares possibilidades de coisas para fazer no dia que ainda havia de chegar. Com isto tudo na cabeça e sem nada partilhar adormecia finalmente sem nada ter decidido.

Renascença vs. globalização. Com a mudança e a modernização, o mundo tornou-se um lugar muito mais pequeno, mais acessível e mais aberto, tudo ficou a um clique de ser possível. É verdade que nem tudo é perfeito como já vimos, mas felizmente chegamos a um momento em que o antigo e o moderno coabitam em harmonia. Ao longo destes 400 anos a mudança passou por todo o país, mais notável em alguns sítios, menos noutros, permanecendo, mesmo assim, alguns sítios quase intocados, como Veneza por exemplo. Mas o essencial, o que realmente nos fascina e admira, continua incólume. E a possibilidade de podermos presenciar tal maravilha, essa reside na globalização.

Com tudo visto e malas feitas, despedimo-nos da bela, mas cara, Florença, entrámos no nosso estimado Capuleto e rumámos a Siena, cidade famosa pelo pálio e pela sua medievalidade que o mais sénior dos três viajantes queria muito visitar. Um conselho do Afonso, amigo da família, muito dado às letras e à história. Depois de um excelente almoço na Praça do Mercado, feito de vegetais e ensopados medievais, decidimos visitar a insigne Piazza del Campo que foi imortalizada por James Bond numa intensa perseguição a pé. E foi aí, sentados à sombra, de telemóvel na mão a comparar o que víamos à nossa frente com a cena do 007, que tivemos a ideia de que depois de tanta história e cultura não podíamos perder as praias italianas do mar Adriático. Tínhamos um novo destino, Rimini.

Não há nada igual: mais de mil hotéis ao longo de uma praia de 15 quilómetros que se divide em dezenas de secções correspondentes a determinados hotéis e milhares de guarda-sóis alinhados de forma a criar uma organização sensacional. Já a água, era calma e quase à temperatura de uma piscina aquecida. Rimini foi uma espécie de descanso para o que vinha a seguir, a intemporal Veneza.

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Não há nada igual: mais de mil hotéis ao longo de uma praia de 15 quilómetros que se divide em dezenas de secções correspondentes a determinados hotéis e milhares de guarda-sóis alinhados de forma a criar uma organização sensacional. Já a água, era calma e quase à temperatura de uma piscina aquecida. Rimini foi uma espécie de descanso para o que vinha a seguir, a intemporal Veneza.

Arrivederci Italia. Na primeira viagem a Itália escolhe-se não perder tempo. Que é como quem diz deixar o que é muito turístico para ler nos guias. Por isso não ficámos nas filas para subir à torre de Pisa nem demos voltinhas aos duomi em Florença ou em Milão. Andámos de gôndola porque há centenas e só entrámos na Catedral de São Marcos porque aos 37 graus centígrados do meio-dia a fila tinha meia dúzia de pessoas.

Escolhemos ficar na rua a ver as pessoas. Na estrada a ver vinhas e campos de girassóis. A perceber montanhas de mármore tão bem cortadas que parecia ter nevado no verão. Quisemos ir à praia ver o Adriático e sonhar com os barcos que construíram todos os diques de Veneza pagando imposto com a própria carga (30 por cento de pedra rija vinda da terra turca). Torrámos ao sol em Bolonha que estava em obras e saudámos em Parma um casamento que subia as escadarias da catedral. Chegámos a Milão a desejar que o tempo não passasse e não tivéssemos de rever aquele Airbus laranja que nos traria de volta a Lisboa. Viemos felizes e muito contrariados. Ainda neste outono havemos de lá voltar.

Texto e Fotografia de José Manuel Diogo
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