Maggiore é maior em português, mas soa melhor em italiano. Há destinos assim, que fazem muito mais sentido no idioma original do que traduzidos. Como Lisboa, Porto ou New Orleans, que perdem encanto quando passam a Lissabon, Oporto ou Nova Orleães. É assim o lago Maggiore, na região italiana de Piemonte, a banhar a vizinha Lombardia e a oportunamente neutral Suíça. Maior do que aquilo que se espera, maior em ofertas de lazer, maior muitas vezes do que o pensamento ou a sugestão de lá ir. São 66 quilómetros de extensão, uma dezena de pequenas ilhas e margens povoadas por motivos de interesse.

Abrigo para artistas inesquecíveis, recanto quase sigiloso para chefes de Estado contemporâneos ou aristocratas do passado, o lago Maggiore é um dos ingredientes que fazem de Itália um dos destinos turísticos mais procurados a nível mundial. O país recebe cerca de 43 milhões de visitantes por ano e, desses, perto de um milhão fica por Stresa, Baveno ou Verbania, algumas das localidades prontas para agora descobrir.

Parece ter chovido de madrugada, porque há quem tenha deixado meia dúzia de guarda-chuvas coloridos abertos no chão, ao sol, junto ao cais de embarque de Baveno – o «Imbarcadero». As ilhas Borromeo (três ilhas e dois ilhéus; borromeoturismo.it) estão à vista desarmada e um pequeno grupo de turistas espera pelo próximo barco a motor para iniciar a visita às porções de terra encantada rodeadas pelas águas que ali se aglomeram vindas dos rios Ticino e Toce. Mesmo aqui ao lado está o Grand Hotel Dino (zaccherahotels.com), dedicado a Corrado Zacchera, um dos descendentes de Francesco Zacchera, o fundador da cadeia familiar de alojamentos iniciada em 1873. Essa herança temporal está bem representada num hotel que guarda as memórias de outros tempos.

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La Rocchetta: O castelo com o mesmo nome é agora um hotel com 16 apartamentos, mas dormir na torre evoca a muitos hóspedes o conto de Rapunzel.

Os lustres imponentes, os corredores largos, as alcatifas de tons fortes ou as tapeçarias nas paredes lembram que a História não é para ser esquecida. Inaugurado durante a década de setenta do século XX, oferece, no entanto, todas as vantagens do século XXI, além da extrema proximidade ao lago. Das varandas dos quartos, a Isola Madre, a maior em área das Borromeo, está à mão de semear. E mais perto fica quando o barco lá chega e os visitantes começam a desembarcar. Pontos de interesse a fixar: o recheado jardim botânico com espécies de todo o mundo e o palácio do século xvi, propriedade ainda hoje da família Borromeo, uma das mais influentes da nobreza italiana. O escritor francês Gustave Flaubert (1821-1880) andou por estas paragens em 1845 e não foi parco em elogios. «É o local mais voluptuoso que já vi» e «um paraíso terrestre» foram alguns dos mimos que dedicou à ilha Madre. Por 11 euros a visita, qualquer um de nós poderá ficar a saber e a sentir o porquê destas palavras.

Ao longo do ano, são muitos os grupos de visitantes que escolhem a região dos lagos. Na primavera e no verão, o número aumenta.

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Ao longo do ano, são muitos os grupos de visitantes que escolhem a região dos lagos. Na primavera e no verão, o número aumenta.

A vida no mar – que é um lago – abre o apetite. O barco cruza agora, rapidamente, as águas para a ilha dos Pescadores, outra das joias do arquipélago. A Igreja de San Vittore (século XVII) e as ruas estreitas e cheias de comércio tradicional são os principais pontos de interesse. A visita é rápida, a ilha é pequena e o apetite grande.

Há uma curtíssima viagem a separar-nos da ilha Bela, a mais conhecida das três. Até 1632 foi apenas um rochedo no meio do lago, mas o conde Carlo III de Borromeo decidiu que era tempo de transformar este pedaço de pedra em algo diferente. Reuniu os mais prestigiados arquitetos da época e pediu-lhes – provavelmente ordenou-lhes – que criassem Isabella, em honra da sua mulher Isabella d’Alda. E assim nasceu uma ilha que se assemelha a um grande barco ancorado ao largo de Stresa. O Palácio Borromeo, sua arquitetura e jardins, é de visita obrigatória. Mas só depois de almoço. Oferta não falta, seja em termos de restaurantes ou de especialidades. Há bom vinho, peixe, pasta, risotti, marisco e uma vista única sobre as margens, o segundo maior lago de Itália e as ruas repletas de turistas.

A próxima paragem é Intra, uma das localidades que, em 1939, deu origem à comunidade de Verbania, juntamente com Pallanza e Suna. O centro histórico, com comércio local, cafés e esplanadas, acaba por ser uma excelente opção para quem gosta de compras. O antigo embarcadouro, a Basílica de San Vittore e a Praça Ranzoni são as etapas que se seguem antes de mais uma viagem pelo lago até ao local da próxima pernoita. E a surpresa é grande. Vinte minutos de viagem ao fim da tarde, com o sol ainda acima das montanhas do Norte de Itália, sabem a recompensa por um dia bem passado.

Combinar natureza com história, juntar religião e deixar ferver a cultura. Adicionar a gastronomia e temperar com a irreverência italiana. Eis a receita de sucesso do Piemonte.

O barco não vai cheio, vai composto. Segue com uma dezena de pessoas que aproveitam para fazer as fotografias que se impõem numa paisagem desta dimensão. Há um palácio, ao longe, que se faz cada vez mais perto. Será que é para ali que vamos? Parece ser essa a interrogação que passa pela cabeça de quase todos. E é mesmo. Agora que a embarcação chega ao pequeno cais privado, aos pés da imponente construção, as dúvidas dissipam-se. Aquele que é hoje o Grand Hotel Majestic (grandhotelmajestic.it), foi construído em 1870 evocando a Belle Époque. Claude Debussy (1862-1918) ou Arturo Toscanini (1867-1957) são dois dos grandes nomes da música que aqui estiveram. Na década de trinta do século passado, o hotel foi aclamado como um dos mais belos da Europa.

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Há dez anos, foi alvo de uma renovação radical, manteve o rigor histórico, modernizou-se e entrou para o lote dos Small Luxury Hotels of the World. O apanhado do seu percurso é feito por Mariangela Nieddu, a diretora-geral, enquanto passeamos pelos jardins junto ao lago. Subimos até ao terraço panorâmico para aquela que é uma instituição na cultura gastronómica italiana, a hora do aperitivo. É tempo para um Spritz, cocktail que combina vinho branco, Campari e soda ou água com gás.

O sonho de uma noite de verão poderia ter lugar no Grand Hotel Majestic, à beira do lago. Das entradas aos cocktails, da paisagem ao ancoradouro, tudo se conjuga.

Na pequena praia de areia branca deste promontório do lago Maggiore, um casal aproveita os últimos raios de sol. Tudo está conjugado para que não apeteça nada sair daqui. O hotel, a localização, a companhia, o Spritz e a boa conversa mantêm-se mesmo depois do jantar num dos dois restaurantes do Majestic. A noite é primaveril, outra das vantagens deste nicho italiano onde o clima tem laivos de subtropicalidade. Não há dúvida, este seria o local indicado para ficar mais tempo. Mas ainda há tanto para ver.

Trei Ponti, Baveno e Stresa vão ficando para trás. A viagem já não é feita de barco, mas em minibus. Durante os primeiros quarenta quilómetros o lago ainda vai fazendo parte da paisagem. A partir daí, o caminho é marcado pelo verde das montanhas. De Verbania até ao Santuário de Oropa (santuariodioropa.it), o próximo destino a descobrir, são cerca de 115 quilómetros. Os últimos 15 são sempre a subir, em plenos Alpes, até perto dos 1200 metros com elevações de quase três mil em seu redor. É um santuário mariano construído num anfiteatro natural e, desde 2003, considerado Património da Humanidade pela UNESCO. As primeiras referências a este local, do ponto de vista religioso, datam do início do século XIII. Hoje, é um complexo religioso dividido em três grandes conventos.

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A Basílica Antiga data do século XVIe é nela que se encontra a maior razão de ser de todas as peregrinações que aqui se realizam. Trata-se da estátua da Madonna Nera, esculpida em madeira por um artista local do século XIII. É um exemplar das chamadas Virgens Negras, também existentes em França, Espanha e Alemanha e datando quase todas desse mesmo século. Na Igreja Nova (do século XIX), o destaque vai por completo para a cúpula com mais de oitenta metros. No santuário também é possível visitar o Museu do Tesouro e os Aposentos Reais dos Saboia. Tudo isto, claro, após beber a água da fonte à entrada de Oropa. É essa a primeira paragem para quem chega, antes de partir à descoberta das 19 capelas de diferentes dimensões do complexo religioso.

E quando a alma estiver alimentada e faltar energia ao corpo, existem cinco restaurantes à disposição. Num deles, junto à entrada principal – o Croce Bianca (ristorantecrocebianca.it) – há uma especialidade que não vai querer perder: a pulenta cunscia, um prato tradicional feito com polenta e manteiga e queijo derretido. Nestes Montes Sagrados de Piemonte há, no entanto, outros motivos de interesse, já que esta é também uma reserva natural com cerca de 1500 hectares e oitocentas espécies florais. Os crentes podem acreditar que é obra de Deus, os não crentes poderão dar o crédito à mãe natureza, mas, todos eles, ao longo do ano, poderão aproveitá-la da melhor forma. Caminhadas, trekking, BTT, alpinismo, esqui alpino e de fundo ou pesca desportiva são algumas das atividades a considerar. De todas estas, acabámos por escolher a caminhada, mas uma coisa leve, até ao minibus que nos irá levar à próxima paragem.

O Ricetto de Candelo (comune.candelo.bi.it) fica a cinco quilómetros de Biella, a capital da província com o mesmo nome. É um burgo fortificado construído no fim do século XIII pela população de então. O objetivo primeiro foi o de defender e preservar os vinhos e cereais da comunidade, servindo também de refúgio dos habitantes locais em tempos de guerra. Pelos seus 13 mil metros quadrados estão dispostas cerca de duzentas células que hoje são utilizadas por empresários privados e associações de camponeses para expor e comercializar os seus produtos. Instrumentos musicais, artesanato, pinturas, gravuras, comida e bebida são alguns dos itens da ementa com que nos deparamos ao longo da visita.

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Oropa é um santuário mariano construído num anfiteatro natural. Em 2003 foi considerado Património da Humanidade pela UNESCO,

E também não faltam o Ecomuseu da Vitivinicultura, o Museu da Cozinha e da Pastelaria ou um centro de documentação. Aproveitamos a oportunidade para subir a uma das torres desta pequena aldeia murada para constatar o que ao nível do solo já se adivinhava: estamos perante um exemplar caso de preservação do património. E, neste campo, teríamos mais razões para ficar boquiabertos.

A menos que se faça parte de uma qualquer família de nobres – ou se esteja em exercício de funções reais – não é todas as noites que alguém dorme num castelo. E ainda menos, um castelo em Itália. Pois foi mesmo isso que aconteceu na última noite na região de Piemonte. O Castello La Rocchetta (castellolarocchetta.it) está situado em Sandigliano e tem origens no século XIV, quando foi construído para defender a localidade. É desde há vinte anos uma unidade hoteleira de 16 alojamentos, alguns deles na torre de observação. Rapunzel poderia ter deitado os longos cabelos por uma destas janelas, mas isso seria na ficção. E La Rocchetta é bem real, tal como a bem cuidada cidade de Biella, mesmo ali ao lado.

O lago Maggiore possui 66 quilómetros de extensão, tem uma dezena de pequenas ilhas e recebe cerca de um milhão de visitantes por ano.

Os vestígios arqueológicos provam a presença romana e podem ser observados no Museu do Território, mas também a arquitetura está bem representada. Exemplos disso são a Torre de Santo Stefano ou a aldeia medieval de Piazzo, no topo da encosta. A gastronomia não fica atrás, já que a região é famosa pelos enchidos (salame ou mortadela, por exemplo), pelos queijos, pelos frutos secos e pelos bons vinhos. É destas bandas a casta Nebiollo, a partir da qual são produzidos alguns dos mais famosos vinhos de Itália, como o Barolo, ponto de partida para uma refeição difícil de esquecer na enoteca e restaurante La Mia Crota (lamiacrota.it). Voltam a polenta e o risotto, os espargos e os queijos e desfilam castas e casas vinícolas pela mesa. As conversas decorrem a bom ritmo, animadas pelos idiomas italiano e português que se vão misturando.

Os dois países estão separados por mais de dois mil quilómetros, mas naquele momento, a distância – ou a diferença – não faz qualquer sentido. Em ambos, tudo parece resolver-se à mesa, com um copo de vinho, um prato bem confecionado, gestos largos, vozes altas e soluções infalíveis para os mais incríveis problemas. Só ter o bilhete de regresso marcado é que parece não ter solução. Mas há esperança.


Onde Ficar

Grand Hotel Dino
Localização privilegiada à beira do lago Maggiore e considerada uma das mais bem apetrechadas unidades hoteleiras para a realização de eventos e conferências. Possui praia privada, health club, galeria de arte, piscina e 370 quartos e suites. Quarto duplo com pequeno-almoço a partir de 130 euros por noite.

C.so Garibaldi, 20 – Baveno
Tel.: +39 0323 922201
dino.zaccherahotels.com

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Grand Hotel Majestic
Um quatro estrelas que impressiona não só pela localização, mas também pelo design das áreas comuns e dos 99 quartos e suites, quase todos com vista de lago. Oferece bar com terraço, restaurantes, wellness centre com piscina, sauna e ginásio e heliporto privado a dez minutos de distância. Quarto duplo a partir de 190 euros por noite com pequeno-almoço.

Via Vittorio Veneto, 32, Verbania Pallanza – Lago Maggiore
Tel.: +39 0323 509711
grandhotelmajestic.it

Info

piemonteitalia.eu
distrettolaghi.it

Agradecimentos
TAP
flytap.com
ENIT Italia
enit.it/it

Texto de Ricardo Santos - Fotografias de Leonardo Negrão/Global Imagens
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