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José Luís Peixoto: «Manhattan é o centro de um dos mundos que existem»

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Aterrei pela primeira vez nos Estados Unidos em setembro de 2002. Na época, esse voo chegou ao aeroporto JFK. Contra tudo o que se deve fazer, aceitei a oferta de uns desconhecidos que, à saída, me perguntaram se queria ir para Manhattan. Eu tinha um papel com a morada da casa da amiga onde ia ficar, era num cruzamento com a Canal Street, na Chinatown.

Dessa primeira vez, não esqueço o dia 11 de setembro, um ano após a queda das torres. De manhã, nas televisões e nos rádios de toda a cidade, ouviram-se os nomes das vítimas, mencionados um a um. A pé, desci a Broadway até ao ground zero. Pelo caminho e depois de lá chegar, encontrei excentricidades que me surpreenderam bastante. Também nesse dia, subi pela primeira vez ao Empire State Building. Ainda nos Estados Unidos, escrevi sobre tudo o que vi para uma revista que já não existe.

Ao longo destes anos, tenho regressado muito a Manhattan. Estive em invernos cobertos de neve, em primaveras e em verões com parques cheios de gente e de luz. Em Manhattan, ao longo deste tempo, conheci várias pessoas que já morreram.

Em 2010, passei seis semanas num pequeno apartamento da 30th Street. Cheguei com um romance que me resistia e saí com muitas páginas escritas, muitos dias proveitosos, o romance quase acabado. Manhattan é uma máquina. A sua eficácia contagia. Uma das minhas livrarias preferidas fechou há dois meses, chamava-se Saint Marks. Mesmo sabendo-a fechada quis passar por lá, quis vê-la. Olhando pelas vitrinas, apenas o espaço vazio, tudo surpreendentemente limpo para um lugar onde existiu uma livraria durante mais de vinte anos, as paredes pintadas, à espera do que virá, sem nostalgia do passado. Às vezes, Manhattan é uma máquina que funciona demasiado depressa.

Havendo oportunidade, descer qualquer uma das avenidas de bicicleta, do Uptown ao Downtown, é uma experiência incrível. Entre os prédios, o céu é uma espécie de rio invertido. Chegar a Times Square é o triunfo.

Poderia dar outros exemplos: bares, restaurantes, etc. Em Manhattan, há muitos daqueles lugares quase secretos, que poucos conhecem, mas duram pouco tempo. Até os raros que conseguem conquistar a cidade por um momento, com filas à porta, com gente que espera duas horas para comer um croissant, por exemplo, acabam por não resistir à velocidade de Manhattan. Ou porque deixaram de conseguir pagar as rendas altíssimas ou porque as pessoas deixaram de querer croissants e passaram a preferir uma sobremesa tradicional das Filipinas.

Em 2012, passei duas semanas a andar de bicicleta por Manhattan. Havendo oportunidade, descer qualquer uma das avenidas de bicicleta, do Uptown ao Downtown, é uma experiência incrível. Entre os prédios, o céu é uma espécie de rio invertido. Pedalando ao lado de táxis amarelos, sobre tampas fumegantes do saneamento público, somos parte de Manhattan, somos parte da máquina. Chegar de bicicleta à Times Square, é o triunfo.

No mundo, há muitos mundos, não existe apenas os Estados Unidos e o Ocidente. Ao contrário do que se costuma afirmar, não há Coca-Cola em toda a parte e nem todos os habitantes do planeta sabem quem foi o Elvis. Ainda assim, não há dúvidas de que Manhattan é o centro de um dos mundos que existem e, em todos eles, não há nenhum lugar como Manhattan.