Num ano decisivo para a Europa, o politólogo Bernardo Pires de Lima faz-se à estrada para percorrer as 28 capitais da União Europeia. Depois de muitas conversas, encontros improváveis e perceções surpreendentes, vai juntar os 28 ensaios num livro. Até lá, a Eurovisão será emitida aqui, na Volta ao Mundo.

Varsóvia, Polónia

Tem o carimbo de «museu europeu de 2016» e, sem desprimor para tantos outros, o POLIN merece a medalha. Desenhado pelos arquitetos finlandeses Rainer Mahlamaki e Ilmari Lahdelma, perfeitamente integrado no que foi em tempos o horror do gueto de Varsóvia, o POLIN conta-nos a história judaica da Polónia através dos séculos, que é o mesmo que ir moldando o barro das nações que compuseram os vários estados e impérios nos últimos oitocentos anos na Europa.

Através de uma sofisticação narrativa e de um arrumo estético fora do vulgar, percorremos o museu com uma vontade constante de descobrir a galeria seguinte, se a pacatez de uma comunidade em Poznan ou uma sublevação em Varsóvia, se a desintegração do reino ou a conquista territorial à Lituânia ou à Ucrânia. A história da Polónia é de tal forma dinâmica e trágica ao mesmo tempo, que dificilmente poderia estar fora do radar de qualquer conversa no café Charlotte, em plena hipster praça Zbawiciela, no ano da graça de 2017.

Há um charme novo e sofisticação nas ruas desde a última vez que cá estive, em 2009.

O roteiro a isso nos leva: a herança judaica, o controlo da Prússia, Áustria e Rússia, o anti-semitismo polaco do final do século XIX, o renascimento da nação polaca, a invasão nazi, o extermínio, o gueto, o despojar de humanidade, a subjugação soviética, o desabrochar democrático, a resistência, o massacre, o compromisso europeu, o conservadorismo católico, a dimensão territorial na Europa central, os anos do cosmopolitismo liberal, o retrocesso autoritário, enfim, se não encadearmos tudo isto não percebemos a sensibilidade da política e da cultura polacas hoje em dia.

Os tempos não estão famosos para o pluralismo democrático, alguns dos principais media estão hoje controlados na sua liberdade editorial ao melhor estilo soviético, há uma bruma de retrocesso civilizacional, apesar das mentes esperançosas que encontrei entre a nova geração.

Às tantas, consigo um encontro com um editor da principal cadeia de televisão privada, num edifício de fazer inveja aos mais tecnológicos projectos informativos europeus. Mais uma vez, duas ideias claras sobressaíram nesse momento.

Por um lado, a Polónia não se vê como mais um país do centro da Europa, mas como o país que dali equilibra a geografia com a Alemanha e a França. Por outro, como a sofisticação dos meios de informação estrutura uma sociedade consciente, madura e crítica, a independência tem sido um factor de audiências e a qualidade do jornalismo e da análise um elemento diferenciador apreciado pelo público, quando comparado com a propaganda dos canais públicos. É por isso que, no espaço de poucas semanas, a uma marcha de 10 mil neonazis nas ruas da capital responderam 100 mil europeístas poucos dias depois. Parece que há o negro do passado, o cinzento do presente e o azul do futuro.

E há um charme novo e sofisticação nas ruas desde a última vez que cá estive, em 2009. Os preços continuam baixos mas a qualidade subiu em flecha. Os espaços verdes são percorridos por famílias inteiras, as bicicletas invadiram as ruas, os cafés estão cheios de gente que fica para trocar dois dedos de conversa, o clássico já se mistura noutra desenvoltura com uma traça contemporânea. O Vístula abraça agora com outra força a universidade, vários bairros residenciais cosmopolitas, o centro de ciência dedicado a Copérnico, ou o recém inaugurado pólo do museu de arte moderna.

Varsóvia reconquistou-me. Não há muitas capitais de que possa dizer o mesmo.

Texto e Fotografias de Bernardo Pires de Lima

Acompanhe as suas viagens nos próximos dias:
Copenhaga, Paris e Sófia.

Leia todas as viagens da Eurovisão AQUI.

Partilhar