«Lembro-me da mãe da Beatriz, a olhar para mim na sala, com aquele olhar… e a dizer-me: “Tu cuida da minha filha!”», recorda António Trindade, a rir. Não era para menos: afinal, a filha Beatriz Manteigas ia numa viagem de mês e meio para a Ásia com o novo namorado, António.
Texto de Bárbara Cruz
«A minha mãe muito séria, a olhar de cima», acrescenta Beatriz, sorridente e sem ponta de embaraço. «Não foi um passo assim tão grande e só aconteceu porque temos os dois o hábito de viajar. O choque foi por estarmos a namorar há tão pouco tempo», conta ela. «Mas nós ainda nem éramos namorados e ele já me dizia que íamos à Tailândia.»
Na realidade, António planeava há uns meses a viagem ao Sudeste Asiático quando se conheceram, num evento em que estavam a trabalhar. Ele, alentejano de 32 anos que deixou a geologia para estudar gestão de eventos e animação turística na Escola de Hotelaria e Turismo do Estoril, andava a magicar nos pormenores de mais uma aventura a solo. «Comecei a viajar há cerca de dez anos através de uma associação em que estava a trabalhar na altura. Tinham vários projetos internacionais.» Admite que ficou imediatamente viciado: «A primeira viagem foi para um destino completamente não turístico, a Bulgária. A partir daí, a única coisa que fazia era arranjar trabalhinhos, coisas de dois, três meses. Juntava dinheiro e fazia outro projeto para viajar.»
Ia como líder de viagem e foi nessa altura que decidiu mudar definitivamente de vida, trocar a morfologia dos solos pelo turismo. Correu depois a Europa e ainda foi sozinho para a Índia, onde levou vários socos no estômago. «Nova Deli é assustador, quem diz que não levou este soco ou é muito forte ou está a mentir», assegura. Em cerca de mês e meio fez o chamado triângulo dourado indiano (Nova Deli, Agra e Jaipur) e ainda passou por Mumbai (antiga Bombaim), Goa e, mais a norte, Varanasi e Darjeeling.
António não levou companhia para a Índia porque não quis esperar mais: «Chega a hora H e as pessoas amedrontam-se. Há sempre uma desculpa qualquer para não ser uma boa altura para viajar.» Não foi o caso dele, apesar de estar ciente das nuances de uma viagem solitária. «Há momentos de muita introspeção, de confronto com os nossos medos, com as nossas ansiedades.” Apesar de admitir que não gosta de viajar com muita gente, «há certas coisas que fazem mais sentido em grupo», mesmo ao nível dos orçamentos.
O casal gastou cerca de mil euros (cada) para conhecer três países. Fora os bilhetes de avião.
E a gestão dos gastos foi uma parte importante da viagem à Ásia que fez com a namorada, já que ambos têm trabalhos «sazonais». A pasta do orçamento calhou a Beatriz, que cuidadosamente analisou as deslocações e, num caderninho preto, fez uma espécie de roteiro que acabaram por seguir. Olhando para as despesas, garante que para conhecerem três países – Tailândia, Myanmar (antiga Birmânia) e Camboja – não gastaram mais de mil euros cada um, excluindo das contas o bilhete de avião. «O maior investimento foi a viagem e os transportes», explica a pintora de 25 anos que, até então, privilegiava sempre as viagens por terra – «tenho um bocado de medo de andar de avião», confessa a dada altura.
Para Beatriz, trabalhar em eventos é uma forma de ajudar a pagar as contas, dada a normal instabilidade financeira da vida artística. Foi assim que conheceu o namorado e é assim que passa o verão, a amealhar para as viagens que faz no inverno. É nesta altura que os dois conseguem sair durante mais tempo e foi por isso que aproveitaram janeiro para ir mais longe. Para ela, foi uma estreia: apesar de viajar desde criança com a família – «já os meus avós tinham uma caravana!» –, nunca tinha ido para o continente asiático. Sozinha, esteve na Alemanha a fazer au pair durante dois meses e lançou-se em dois InterRails pela Europa. «Houve um período em que pensava: eu gosto é do comboio, vou comprar um bilhete e ver uma data de sítios», confessa.
A viagem para a Ásia, diz a rir, foi uma espécie de «prova de fogo», não só para a relação – que parece ter sobrevivido sem mácula – mas também para ela, que nunca equacionara sequer a Tailândia como destino. «Tinha a ideia de que a Tailândia era o destino das festas de praia, em que toda a gente está bêbeda o dia inteiro. Mas achei menos turístico do que esperava. » Nas praias, por exemplo, basta fugir dez metros da multidão para encontrar o «sítio paradisíaco».
Beatriz e António amealham dinheiro durante o verão e viajam no inverno.
A dois, garantem, a experiência foi muito mais divertida e vivida sem grandes nervosismos. Fizeram o próprio pacote turístico e ainda se riem das aventuras em que se meteram inadvertidamente. Em Myanmar, por exemplo, foram surpreendidos pela grandiosidade dos templos de Bagan e gostaram muito de conhecer Siam Reap, no Camboja. Na Tailândia decidiram alugar uma vespa para irem até um complexo de águas termais. «Fomos ao fim da tarde. A moto a dar o máximo, a fazer todos os barulhos, quase a ficarmos sem gasolina, cada vez mais escuro e nunca mais chegávamos!», conta Beatriz. Quando finalmente deram com o sítio, encontraram famílias tradicionais tailandesas que se limitavam a cozer ovos de galinha e codorniz nas águas medicinais para os comer com molho de soja. «Viemos embora a correr e às tantas enganámo-nos e entrámos num festival maluco onde ele andou a comer os bichos», diz ela à gargalhada. Beatriz experimentou um inseto, António comeu três, mas não se aventuraram a provar as baratas e as tarântulas, verdadeiras iguarias tailandesas. «Sabes aquele cheiro a mofo das traças? É mesmo a isso que sabe. Têm sabor de gaveta», conta ela.
Para já, ainda estão a conciliar agendas, mas é ponto assente que no inverno vem mais uma viagem. Nesta altura, estão ainda a colher os frutos que tiraram do último percurso: Beatriz vai apresentar After the Storm, uma linha de trabalhos inspirados em Myanmar, em setembro e outubro, na MH Gallery em Cascais e na Casa de Cultura dos Olivais. Já António, vai deixando episódios e dicas de viagem em maddogprd.com.
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