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Eu sou muito incontinente de ideias. O que não quer dizer que sejam boas, quer apenas dizer que as tenho em catadupa. E mesmo que não sejam inspiradas pelos sítios onde estou, às vezes surgem do nada quando estou de férias e devia estar sossegado. É o homem que mordeu o cão… E esta apresentação quase poderia terminar aqui. Mas é também humorista, escritor, argumentista, homem da rádio, apresentador de televisão, desenha, já fez dobragens de filmes e uma perninha como ator aqui e ali. Nuno Markl é uma das vozes da manhã da Rádio Comercial, também passou pela Antena 3, RTP, SIC Radical, Canal Q, jornal Público. Foi um dos apresentadores do programa 5 Para a Meia-Noite a caneta de muitos sketches de programas como Herman Enciclopédia, O Programa da Maria ou Os Contemporâneos. E podíamos continuar a colar cromos nesta caderneta da vida do nosso último viajante.

Entrevista de Cláudia Arsénio e Paulo Farinha

Quais são os países que mais contribuem para as histórias bizarras d’ O Homem que Mordeu o Cão?
A América continua a ser um sítio de onde vêm muitas histórias. Especificamente a Flórida – conhecida por ter a maior galeria de pessoas estranhas a fazer coisas estranhas da história da humanidade. Eu sei que posso contar com as histórias dos Florida men e Florida women, porque há sempre uma bizarria qualquer na Flórida. Eu nunca lá fui, mas adorava – embora tenha medo que me vazem uma vista, ou qualquer coisa assim.

Falando nos EUA… Em Nova Iorque ou Los Angeles, mas também noutras cidades, há sempre gravações de programas de televisão que fazem as delícias de humoristas. Já assistiu a alguns?
Assisti, em Nova Iorque, ao Late Night with Conan O’Briene adorei aquilo. O programa passava na SIC Radical e eu estava lá a trabalhar na altura. E havia a facilidade de pessoas que trabalhavam no canal não só irem assistir ao programa dele mas também poderem ficar na zona VIP. O que era uma sensação estranha, sobretudo cá fora, porque a porta era a mesma. Lembro-me de chegarmos lá e haver uma fila gigante numa direção – eram as pessoas que iam tentar assistir, até a sala encher – e outra fila do outro lado, com meia dúzia de gatos pingados – que eram os VIP. E as pessoas que estavam na fila grande olhavam para nós e deviam pensar: “Mas quem são estes e porque merecem estar ali?” E foi assim que fui assistir ao Conan O’Brien, num dia particularmente incrível porque o convidado era o Neil Young. Foi ótimo. Foi uma grande, grande experiência. Eu sou grande fã do Conan O’Brien.

Que comediantes já viu em palco no estrangeiro?
Ora bem… Vi os League of Gentlemen e os Little Britain em Londres. Gostei muito de ambos, porque foram espetáculos incrivelmente imaginativos. Foi também em Londres que vi o Louis C.K., na última fase em que era capaz de encher salas muito grandes.

Antes de ser inconveniente…
Exato… Ele agora enche salas, mas mais pequenas. Até fez piadas sobre isso quando esteve cá em Portugal. Ah, e vi os Monty Python ao vivo também. E também em Londres, claro, na O2 Arena. Isso devia ser feriado mundial, quando eles se reuniram para fazer aquele show. Ver comediantes ao vivo é daquelas coisas que planeio muito fazer, mas nem sempre consigo depois. Mas pronto, todos os caminhos vão dar a Londres, para ver comediantes e grupos de comédia.

Viaja mais em trabalho ou lazer? Ou o trabalho também é lazer?
Viajo mais em lazer, feitas as contas. De vez em quando também há umas viagens em trabalho, daquelas em que não há tempo para ver nada e é sempre tudo a correr. Mas destas viagens em trabalho, guardo memórias muito boas de uma passagem por Madrid há uns anos para entrevistar o Jerry Seinfeld, aquando da estreia do filme A História de uma Abelha [Bee Movie], que é um projeto dele. Ele fazia a voz da abelha na versão original e eu fui convidado para fazer a voz da abelha na versão portuguesa e promoveram este encontro entre duas abelhas. Foi o Mário Augusto – muito obrigado Mário! – que promoveu isto. O Seinfeld sabia que no meio daqueles jornalistas todos havia um tipo que fazia a voz dele nesse país distante chamado Portugal. E ele foi supersimpático comigo. Depois de acabarmos a gravação, eu estava quase a colapsar de nervos e felicidade por estar ali ao pé de um tipo que definiu grande parte do meu humor a partir de certa altura nos anos 90 e que me obrigou a olhar para o nada como motivo de interesse para as micro-coisas da vida. Já estávamos numa altura em que ele não tinha obrigação nenhuma de fazer conversa comigo, mas teve uma conversa cúmplice sobre escrita de comédia. “Então fazes stand-up, escreves…?” Estivemos ali um bocadinho a falar sobre isso e eu fantasiei naquele momento que ele dizia “então não queres estagiar?”. E eu respondia “sim senhor, vamos a isso”.

“Não queres escrever alguma coisa a meias?”
(risos) Eu não ia assim tão longe. As minhas fantasias são comedidas. Estágio estava muito bom. Mas pronto, adorei. Faço às vezes viagens dessas para entrevistar pessoas, mas geralmente são mas as viagens que faço para descansar.

E viagens com o seu filho, já fez algumas?
Viajei com ele algumas vezes para aqueles sítios inevitáveis, como a Disneyland Paris. E viajamos muito por Portugal. Passamos férias em muitos sítios e gosto muito de viajar com ele. E já o levei algumas vezes a Londres, que é um sítio de que ele gosta imenso. Acho que ele me pede mais para ir a Londres do que a Paris. Acho que ele gosta daquela loucura. E também gosta da loja Hamleys, que tem uns cinquenta andares de brinquedos – que ele gosta muito de ver e eu tenho de convencer de que se trata de um museu. “É para ver.” Mas sim, gosto muito de viajar com o meu filho Pedro. Seja para fora seja dentro do país, é sempre uma experiência muito divertida. É um grande companheiro de viagem.

E nessas viagens de lazer, que tipo de viajante é o Nuno?
Nas viagens de lazer eu sou uma pessoa que, em vez de procurar sítios onde possa descansar, com praias, para ficar deitado dias e dias, gosto muito de me meter em selvas urbanas. Não me sinto muito impelido para destinos em que a única coisa que faço é estar deitado. Acho que se consegue estar deitado otimamente em vários sítios em Portugal. E além disso estou na fase “termas” da minha vida. Chega-se a uma certa idade e descobre-se as maravilhas que são as termas. Mas não sou um visitante que gosta de estar só tombado. Gosto de passear, de andar, quando vou lá fora. Eu ando muito nas férias . Ando mais do que no resto do ano todo. É essa a minha abordagem.

Já teve ideias para piadas ou sketches ou episódios do que quer que seja que recolhe em viagem?
Eu sou muito incontinente de ideias. O que não quer dizer que sejam boas, quer apenas dizer que as tenho em catadupa. E mesmo que não sejam inspiradas pelos sítios onde estou, às vezes surgem do nada quando estou de férias e devia estar sossegado, apenas dedicado ao sítio ou às pessoas com quem estou a viajar. Às vezes sinto uma grande urgência de comprar cadernos e canetas para tomar notas. Ou então sacar do telemóvel e escrever logo ali. Mas lembro-me de uma viagem que fiz que consegui transformar quase toda em comédia. Foi um cruzeiro que fiz no Egito com o Rui Pedro Tendinha – que já foi vosso convidado – e com as nossas respetivas esposas da altura.

Sim, foi o primeiro convidado. E o Nuno Markl é o último.
Foi lindo conhecer o Egito e as pirâmides e os túmulos e todos aqueles sítios que estamos habituados a ver em documentários na televisão. Mas depois, por outro lado, a lógica de um cruzeiro, que era uma experiência nova para mim, é estranha. Os cruzeiros no Nilo não são gigantes, daqueles que parecem uma cidade. Era um grupo limitado de pessoas e senti que aquilo era uma espécie de Big Brother. Mas aconteceram coisas hilariantes. Houve uma noite em que houve uma festa num cruzeiro e disseram-nos “vocês têm que ir à festa”. E nós pensámos que ninguém nos ia obrigar, obviamente. Aquilo era uma maneira de dizer. O certo é que optámos por não ir e ficar no quarto a jogar às cartas e de repente ouvimos pelo intercomunicador a voz do nosso guia (que se chamava Hussein, falava português e vivia na Amadora) a dizer: “Hóspedes dos quartos tal e tal, todos para a pista de dança já”. E nós sentimos aquilo num tom de ameaça e lá fomos para a pista, com medo que viessem atrás de nós, para fazer o famoso jogo das cadeiras.

Já fiz um cruzeiro no Nilo, sei bem o que é e qual o ambiente. É isso mesmo.
Pronto. É essa a experiência. Mas fora isso adorei. Até adorei ter caído em cima de um rio de bosta de camelo.

Como é que foi isso?
Puseram-me em cima de um camelo – que estava com um ar chateado, coitado. Não lhe apetecia fazer aquilo. E eu gosto imenso de animais, estava com um sentimento de culpa tremendo em cima do animal. Avisaram-me que quando ele descesse era normal que sentisse um grande desequilíbrio e devia inclinar-me para trás quando ele pusesse o pescoço para a frente. Eu não sei qual foi o meu timing, só sei que caí e fiquei com uma perna presa e estatelei-me num mar de fezes de camelo. Que felizmente estavam secas e por isso não fizeram grande estrago na roupa.

Esta imagem…
… é difícil esquecer, eu sei.

E qual é a viagem de sonho que ainda está por fazer?
A Nova Zelândia, sem dúvida. Tem a ver com milhões de documentários que eu vi sobre a Nova Zelândia e com o facto de eu achar, na minha cabeça, que aquilo é um paraíso absoluto na Terra. Espero que um dia tenha tempo para conseguir lá estar uma temporada. Sei que um dia o vou fazer. Não sei é quando.

Oiça aqui a entrevista, emitida pela rádio TSF.

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