Ruben Ferreira e Vanessa Cabral conheceram‑se na faculdade. A dois, cedo se desencantaram com as rotinas e os vícios do mercado laboral. Partiram juntos sem rota traçada em busca do autêntico, genuíno e natural.
Texto de Bárbara Cruz
A relação de Ruben Ferreira e Vanessa Cabral, ambos de 26 anos, começou ao contrário: primeiro moraram juntos e só depois começaram a namorar. Conheceram‑se em Évora, quando eram universitários. Ela, açoriana, estudava Psicomotricidade e procurava um quarto para arrendar. «Acabou por bater à porta certa» da casa onde já morava Ruben, estudante de Engenharia e natural de Torres Vedras.
As viagens a dois começaram ainda em Portugal e Ruben, habituado a acampar país fora com a família desde criança, tinha uma «missão secreta»: deslumbrar Vanessa com o continente para a convencer a não regressar a Santa Cruz das Flores.
Vanessa não resistiu ao apelo, afinal já viajava «desde a barriga da mãe. Na ilha das Flores não existe hospital, apenas centro de saúde, e a maioria dos bebés nascem noutra ilha», explica. «Com alguns dias de vida já estava a fazer a minha primeira viagem de avião.»
Terminada a faculdade, acabaram por se instalar os dois em Lisboa, em 2016. Ruben conseguiu emprego num banco, a trabalhar com mercados financeiros, e Vanessa navegava o mar turbulento dos estágios e trabalhos precários. Até que ela perdeu o emprego e passou a partilhar da falta de motivação do namorado, que saíra da faculdade «cheio de sonhos e vontade de mudar o mundo» para encontrar um trabalho em que todos os dias eram iguais. «De certo modo, foi a frustração profissional que trouxe a necessidade de mudança», reflete Vanessa.
Entretanto, Ruben decidira fazer um curso de permacultura, «a ciência que agrega conhecimento ancestral e tecnologia atual e utiliza‑os para criar ambientes sustentáveis, olhando para a natureza como uma aliada, um livro de instruções», esclarece. «Apesar de o que aprendi ter sido incrivelmente interessante, o melhor que tirei daqueles 17 dias foi ter percebido que era possível viver assim, voltei a acreditar num estilo de vida em comunidade a trabalhar com a natureza», frisa Ruben. «Isso agitou‑me muito, senti o meu cérebro vivo outra vez.»
Durante o curso, ouviu falar num projeto no Quénia que aceitava voluntários e contou à namorada, que só lhe perguntou: «Vais ou vamos?» Mas não foi África o destino final, porque a comunidade no Quénia exigia pagamento avultado e era dinheiro que não tinham. Em outubro de 2017, saíram de Lisboa mas com bilhete de ida para a Tailândia, depois de Vanessa perguntar a Ruben qual era, afinal, o seu destino de sonho. Procuraram uma quinta para fazer voluntariado, encontraram Sahainan – no meio da floresta tailandesa, com casas de bambu – e foram aceites. Do sudeste Asiático esperavam partir em direção à Austrália, onde arranjariam trabalho e rendimentos suficientes para seguir à conquista do mundo sem rota definida.
Entre a permacultura e o contacto direto com as populações, Ruben e Vanessa viajaram de corpo e alma.
A preparação para a primeira grande viagem de ambos pediu esforço e criatividade. Porque os recursos eram limitados, precisaram de angariar dinheiro a todo o custo: faziam bolos para Ruben vender no trabalho que ia deixar, Vanessa arranjou emprego fora da área profissional e cortaram em todos os extras. No verão antes de partirem foram para Torres Vedras trabalhar na apanha da pera. Já na Ásia, continuaram alerta para as questões orçamentais: chegaram com cerca de quatro mil euros e empenharam‑se em não ultrapassar um orçamento diário de dez euros para os dois, o que lhes permitiria viajar durante pelo menos um ano.
«Nos primeiros meses éramos viajantes inexperientes e gastávamos mais do que era suposto», admitem. «Queríamos experimentar tudo.» Mas depressa perceberam que, se quisessem chegar à Austrália com dinheiro, alguma coisa teria de mudar. Quando deixaram a primeira quinta onde estiveram na Tailândia começaram a usar a boleia como meio de deslocação. «Fizemos todo o Laos, Vietname, Camboja e sul da Tailândia à boleia», revelam. Repetiram a experiência na Malásia, o quinto país onde procuraram projetos de permacultura para se integrarem na comunidade e viverem em comunhão com a natureza.
Foram sem planos e aceitando o que vinha de braços abertos. «Passas a acreditar que tudo é possível», garantem. Tinham a Austrália como objetivo e estavam na Malásia com um olho em Timor‑Leste, mas em maio de 2018 foram obrigados a interromper a viagem só de ida porque Vanessa ficou doente e precisou de cuidados que exigiram o regresso a Portugal. Ainda assim, não perderam a motivação e já estão a planear, para setembro, uma viagem de bicicleta à Holanda, para trabalhar na quinta de uma amiga. «O que isto nos trouxe foi um novo horizonte de possibilidades», dizem, sedentos da vida na estrada: as peripécias que recordam da empreitada asiática são tantas que podiam «escrever um livro».
Logo na Tailândia, por exemplo, foram convidados a assistir ao parto da dona da quinta de Sahainan, que escolheu dar à luz numa banheira de água quente. Ruben preferiu não ver, mas entrou no compartimento logo a seguir e garante que se emocionou. No Laos, o condutor de um carro luxuoso que lhes ofereceu boleia ficou horrorizado com a perspetiva de irem passar a noite numa tenda, como faziam a maioria das vezes, e convidou‑os para dormir sem pagar no hotel de que era proprietário.
Só as aventuras à boleia dariam para um capítulo no livro desta viagem, se o chegassem a escrever: na Malásia, pediam transporte com uma placa a indicar o destino quando passou uma carrinha funerária, que fez Vanessa largar um «esta é que não, obrigada». Mas, minutos depois, o condutor da carrinha surge junto deles, dizendo‑lhes que ia para o mesmo sítio e prontificando‑se para os levar. «Estávamos a viajar com um caixão. Claro que o Ruben perguntou logo se tinha alguém lá dentro. Disseram que não, mas também não temos como saber», concluem a rir.
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