Vera tinha casa e trabalho em Lisboa, mas também tinha uma vontade incontrolável de sair do país. Depois de anos de viagens e malas às costas, pegou na mochila e foi para a Ásia para «renascer», numa ilha paradisíaca onde nem sequer circulam automóveis.

Texto de Bárbara Cruz

Vera Mendes saiu de Portugal pela primeira vez quando tinha 23 anos, em 2006. A primeira «grande viagem», assim a recorda, foi ao Brasil. Nunca tinha andado de avião e aguardava com expectativa as férias, recompensa por ter chegado ao final do curso. «Cada vez que me lembro dá-me vontade de rir pelo tamanho da mala que levei para 15 dias», admite.

Hoje, aos 35 anos, muita coisa mudou, nomeadamente a bagagem. Viaja cada vez mais leve: começou por trocar a mala de porão pelo trolley de cabina, mas nos últimos anos já só anda de mochila.«Quando comecei a viajar não era uma mochileira. Mas à medida que tempo foi passando, as minhas prioridades iam mudando». Foi diminuindo o tamanho da mala em proporção direta com o número de quilómetros que acumulava no currículo de viajante. Desde que foi ao Brasil já visitou cerca de 30 países, mas assinala: o que importa não é a quantidade, são as experiências que colecionou.

O gosto pelas viagens já vinha de há muito. Natural de Castelo Branco, mas a viver em Lisboa desde a infância, Vera fazia visitas constantes ao interior do país para ver a família. Com os pais, correu Portugal de lés-a-lés, mas o estrangeiro conhecia-o apenas das páginas das revistas de viagens dos tios, que folheava com curiosidade. «Adorava ouvir as histórias deles. Nunca eu pensei que um dia mais tarde teria histórias para contar», reflete.

A partir de 2006, e terminado o curso, começou a trabalhar na área de recursos humanos. A independência financeira permitia-lhe fazer duas a três viagens por ano. Mas o número de vezes que saía do país foi aumentando, assim como a certeza de que alguma coisa tinha de mudar na vida dela. «Tinha muita vontade de sair de Portugal», explica. Começou por procurar oportunidades de trabalho na área em que se formara, mas à medida que ia saindo «sentia a vontade de estar ligada ao turismo, fosse nos recursos humanos num hotel ou até, quiçá, trabalhar com agências de viagens».

A Europa era destino privilegiado no início, graças aos voos baratos das companhias de baixo custo, mas em 2016, dez anos depois da primeira grande viagem, decidiu ir sozinha para a Ásia – Singapura, Malásia e Tailândia – para se testar. «Foi até para experimentar se gostava ou não de viajar sozinha, especialmente num ambiente diferente do nosso. Quando regressei, vinha decidida a dar uma viragem na minha vida e arriscar viajar por mais tempo. Não dava para adiar mais esta minha vontade de ir embora».

Em 2017, conta, «proporcionou-se no trabalho a minha saída, e como eu já andava insatisfeita com a minha vida em Lisboa e o desejo de ir para o estrangeiro era cada vez maior, decidi que era esse o momento. Decidi mudar tudo radicalmente, deixei a casa e a tal vida estável para me dedicar à aventura».

«É sempre diferente, saímos da zona de conforto, tudo o que é novo causa estranheza. Mas, sinceramente, o que senti foi vontade de aventura e descobrir novos lugares.»

Garante que foi uma mudança muito ponderada e que esperou cerca de cinco anos pelo momento certo, período durante o qual foi aumentando ainda mais a frequência das viagens. Os destinos tinham sido diversos, desde Londres, «uma das cidades favoritas», à Índia, «uma viagem intensa e um país para o qual não vamos minimamente preparados». Nova Iorque, que visitou na altura do Natal, também lhe ficou na memória, assim como ter entrado nos 30 anos na «cidade maravilhosa» do Brasil.

Mas depois de ter cortado as amarras, deixando Lisboa sem olhar para trás, não teve dúvidas quanto ao trajeto e regressou à Ásia. Esteve em Hong Kong, Taiwan, Macau e Filipinas antes de se fixar na Indonésia, onde vive agora. «Fui completamente sozinha com a minha mochila». Se teve medos, receio do desconhecido? «É sempre diferente, saímos da zona de conforto, tudo o que é novo causa estranheza. Mas, sinceramente, o que senti foi vontade de aventura e descobrir novos lugares. Parecia que tinha renascido», sublinha.

Ainda assim, não saiu ilesa de experiências mais inquietantes. Nas Filipinas, bateu de frente com a ameaça terrorista: quando fez a travessia para a ilha de Bohol, viu no barco as fotografias dos terroristas que eram procurados na zona e o chão fugiu-lhe debaixo dos pés. «Mas fui na mesma. O que diziam localmente era que estava controlado e não havia que temer. Ia para uma zona de selva e confesso que ia mesmo nervosa, porque estava sozinha. No entanto, fui e vim e não tive problemas, nem sinal de terroristas!».

Em Taiwan, sobretudo nas zonas fora de Taipei, a capital, sentiu-se «completamente Lost in Translation», brinca, recordando o filme com Scarlett Johansson e Bill Murray. A barreira linguística parecia quase intransponível, mas superou-a recorrendo a aplicações no telemóvel e chegou mesmo a arriscar dizer algumas palavras em mandarim.

Quando saiu de Portugal, já planeava fixar-se no estrangeiro, mas sem ter nada planeado. Acabou por ir ficando na Indonésia, onde conheceu o atual namorado, e hoje chama casa à ilha de Gili Trawangan, onde já vive há quase um ano. Voltou a Portugal entretanto, para ver amigos e família. «É deles que sinto falta, não da vida que tinha», admite. É na Indonésia que quer recomeçar: dedica-se ao blogue onde vai escrevendo dicas de viagem (roadtofreedomblog.com) e está a avaliar oportunidades ligadas ao turismo, enquanto vai levando o dia-a-dia numa ilha onde não há carros nem motas, só bicicletas «e carroças que servem de táxis para os turistas ou para carga».

Sente falta da comida portuguesa mas não tem dúvidas de que a experiência tem sido enriquecedora. «As pessoas são maravilhosas, aprendi a dar valor ao tempo, às pequenas coisas que antes nem via, a não andar sempre em correrias e stress». Para já não planeia o regresso e também não abdicou de viajar mais pela região que a apaixonou. «Continuo recetiva ao que a vida me poderá trazer».

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