A atriz portuguesa abriu-nos o seu diário de bordo para mostrar o seu lado de viajante, onde encontra o equilíbrio e se liberta.
Entrevista de Pedro Lucas
Fotografia de @_saraprata_
De entre os países que já conheceste, quais foram os que mais te surpreenderam ou desiludiram?
S.P. Ao longo da minha vida tenho viajado por muitos lugares e em cada oportunidade tento conhecer novos destinos. Já tive o privilégio de conhecer bem o nosso país e ir até Los Angeles, Nova Iorque, Grand Canyon, São Francisco, Indonésia, Tailândia, Brasil, Marrocos, Angola, Moçambique, Macau, Hong Kong, Camboja, México, Costa Rica, Colômbia, Peru, Bolívia, Chile, Argentina e Patagónia. Na minha última viagem foram três meses de mochila às costas a explorar e a viver ao máximo as experiências de cada país. Cada lugar tem o seu encanto, o seu ritmo, culturas tão distintas que me fazem querer conhecer mais lugares. Guardo a Colômbia como uma das minhas últimas surpresas. Que país incrível! A beleza da natureza, bruta e densa, repleta de histórias, culturas, em contraste com o rebuliço das ruas, cheias de ritmos quentes. É impressionante, um povo que viveu uma luta grande e destrutiva da sua humanidade há pouco tempo conseguir reerguer-se assim, talvez seja do espírito forte, dessa forma alegre de ver a vida. Preencheu-me mesmo o coração e sei que um dia vou querer voltar, porque ainda ficou muito por conhecer. O slogan da Colômbia é «El riesgo es que te quieras quedar», eu senti isto! Como é possível a maior parte de nós não saber desta Colômbia incrível? Trouxe os ritmos, o reggaeton, as paisagens, a paz, o calor. Sei que me diriam, agora mesmo (até os consigo ouvir), «con gusto!». Tenho dificuldade em dizer que não gosto de algum país, posso não me identificar, mas acabo sempre por encontrar algo que faça valer a pena. O exemplo disso, Marrocos, um país lindo, impossível de não gostar, mas eu não me identifiquei com a cultura e o estado de espírito.
Nessas viagens, lembras-te de alguma história que te tenha marcado?
S.P. Felizmente são anos a acumular histórias. Tenho o hábito de escrever as minhas viagens, quase como um diário de bordo, e é tão bom voltar a ler e quase por magia relembrar ao pormenor o que vivi. Deixo as minhas aventuras para contar noutra ocasião e aproveito para falar das pessoas com quem me fui cruzando e por vezes na minha rotina voltam à memória. Na Bolívia fiquei hospedada em casas particulares. Famílias pobres, não quero dizer humildes, porque gosto de chamar as coisas pelos nomes. O que chamamos essencial, lá «lutam» por isso, não há nada, a luz tem as horas contadas, a alimentação é muito simples e a água apenas a que trago na minha garrafa. No meio do deserto, onde a natureza pouco lhes dá de alimento, nasce uma planta chamada llareta que serve de combustível, e é assim que aquecem a água para nos oferecerem um banho e prepararem o jantar, entre brasas onde o tempo cozinha tudo com mais amor e sabor. Fiquei a observar esta família, a brincar com a pequenina que insistia em ajudar o pai a carregar as camas para os grupos que iam chegando. Por aqui viver tem outro sabor, outra lição, mas é a condição humana que nos aproxima, que nos faz identificar o próximo como eu mesma nessas condições. Não fujo da realidade à minha volta. É por isso que viajo. Não vou mesmo esquecer a candura, a honestidade, a simplicidade, daquela noite onde enrolada no meu saco-cama sem o conforto da luz e os hábitos da nossa cultura me sentia feliz e grata.
Na génese humana, a maior parte das pessoas gostam de viajar e de conhecer novas culturas e costumes. A ti, o que te leva a viajar?
S.P. Sem dúvida que é a riqueza que trago. Essas histórias que acabam por fazer de mim uma mulher mais equilibrada, que me ajudam a saber o que me rodeia e a estar consciente do mundo no seu todo.
Tens o hábito de programar as viagens que fazes ou surgem de imprevistos?
S.P. Normalmente, não preparo as minhas viagens na totalidade. Gosto de saber o que não posso perder, o que é essencial, mas depois vou atrás dos pormenores nos locais, das dicas que vou recebendo. Não saio com pacotes fechados nem horários certos, vou andando e construindo o meu roteiro. A internet torna tudo mais fácil e temos quase toda a informação necessária. Por vezes, o imprevisto é que nos surpreende e nos leva a experiência a outro nível.
Que viagens queres fazer no futuro próximo?
S.P. Neste momento estou a trabalhar em Prisioneira, na TVI, por isso para já vou só sonhando e procurando opções para o próximo destino. Gostava muito de voltar a África, fazer um safari. Ao longo dos anos fui percebendo que é no meio da natureza que me encontro, que sou mais feliz. Estou a aceitar todas as dicas. Talvez Quénia, Tanzânia ou Botswana, lá está, fica difícil escolher neste mundo incrível.
São estes tipos de destinos que te preenchem?
S.P. Gosto de viajar para lugares ímpares, com grandes contrastes, pintados de quadros naturais que me deixem de boca aberta com a perfeição da natureza. Gosto de me sentir livre, de pés sujos, de improvisar a simplicidade. Gosto de conseguir parar, respirar, apreciar e guardar na minha memória. Talvez porque essas são as minhas raízes e é assim que me sinto bem. Um espírito leve e aventureiro, é assim que eu sou, logo é assim que gosto de viajar. Ah, e de comer! Adoro comer e se há coisa que me move é descobrir novos sabores. Sou menina para fazer quilómetros para ir ao tal restaurante. Deve ser a alma tuga que faz do estar à mesa, com um bom prato e um bom vinho, um plano perfeito.
Sara Prata é uma viajante apaixonada pela natureza.
Quem é a tua melhor companhia numa viagem longa e numa escapadela?
S.P. Para uma viagem longa, a «equipa» é essencial. Passamos momentos duros, exaustivos, as condições por vezes não são as melhores e é essencial que nos sintamos bem juntos e que haja espírito de entreajuda. Por isso, não aconselho grandes grupos ou muita gente. Diria que duas ou três pessoas seria o melhor. Mas claro que isso muda de pessoa para pessoa. Numa escapadela vale tudo. Aliás, as escapadelas são combustível para mim. Adoro viajar com amigos, e em breve gostava de fazer uma com os meus amigos viajantes. Assim como gostava de fazer uma com a minha mãe e outra com o meu pai.
O que é que levas sempre contigo na bagagem e o que, por norma, te esqueces?
S.P. Tento levar pouca roupa, para diminuir o peso, é duro andar com a casa às costas. Tenho sempre um kit de medicamentos, caderno e caneta – sim, sou à moda antiga –, livros, tudo separado em bolsas para ser mais fácil. Acabo por ficar surpreendida por vezes com as coisas que consigo fazer com o pouco que levo. Durante muito tempo esquecia-me sempre da escova de dentes – por ser a última coisa a guardar – e de cuecas, sei lá porque estou a contar isto, mas já passou a ser anedota. Hoje vou fazendo uma lista e riscando, assim já não me esqueço de nada.
Hoje em dia, há imensas mulheres a viajar sozinhas. Até aí se impõe o feminismo, não achas? Julgo que era improvável há poucos anos…
S.P. Já me cruzei com várias mulheres ao longo das viagens que estavam sozinhas e felizes. Hoje o mundo é um bocadinho nosso, naturalmente nosso, aos poucos mais seguro ou com mais informação. Sim, não há o grande contraste como há anos era mais visível, por isso, essa escolha acho que se adequa ao tipo de personalidade de cada um. Há muitas pessoas a viajar sozinhas porque gostam, porque estão bem assim, porque estão livres a seguir o que lhes apetece fazer, a explorar o mundo apenas sob o seu olhar mas com vontade de conhecer mais pessoas, acabando por partilhar mas de forma diferente esse tempo longe. Quanto mais se viaja mais percebemos que não é um bicho-de-sete-cabeças, que podemos adaptar o destino às nossas vontades. Isso é o fascínio do ser humano, as possibilidades de vivermos as mesmas coisas mas de maneiras tão diferentes.
Numa última frase, viajar é…
S.P. Sorriso no rosto e leveza no espírito.
Entrevista publicada na edição de julho de 2019 da revista Volta ao Mundo (número 297).