Viajar é um verbo otimista. No centro mais essencial do que constitui a viagem está a vontade de conhecer o que se distingue daquilo que para nós é habitual. Saímos de um lugar para vermos o que está acontecer noutro lugar. Antes de chegarmos, sem nunca lá termos ido, acreditamos que vamos gostar de lá estar. Quando decidimos provar uma comida nova, estamos convencidos de que vamos apreciar esse sabor. Depois, as expectativas podem confirmar-se ou não. Talvez o lugar seja mais frio do que imaginávamos, talvez a comida seja mais picante ou mais doce. Calcular é muito diferente de experimentar. Em qualquer dos casos, demo-nos ao trabalho de fazer todos aqueles quilómetros, acreditámos que valia a pena. E valeu, o julgamento que possuímos é feito a partir dos nossos próprios critérios.

As viagens são um sinal da nossa sofisticada evolução civilizacional. Definem o ponto a que chegámos enquanto espécie. Nesta área, as aspirações que um indivíduo pode ter hoje em dia não encontram paralelo na nossa história. Há poucas gerações, ir a outro continente, estar nas paisagens mais deslumbrantes do planeta eram sonhos inalcançáveis para quase todos.

As viagens são um sinal da nossa sofisticada evolução civilizacional. Definem o ponto a que chegámos enquanto espécie.

Atualmente, temos uma facilidade inédita em saber o que está a acontecer no outro lado do globo. Podemos assistir em direto, podemos intervir. Temos acesso facilitado à informação, aos produtos culturais. O ecrã permite-nos essa participação à distância, mas não consegue substituir a experiência multidimensional de estar efetivamente lá. Viajar é expormos os sentidos e, assim, é uma forma profunda de imersão cultural, é uma fonte privilegiada de informação. Quem vive neste tempo já não prescinde dessa opção na sua vida, dessa possibilidade. Mesmo aqueles que decidem ficar em casa não estão disponíveis para viver num mundo em que nunca mais se possa viajar, em que se perca essa oportunidade definitivamente. Por isso, voltaremos a viajar. É certo.

Neste momento, estamos naquele tempo de planear viagens. A expectativa é uma espécie de fervura, um entusiasmo bom. Durante a expectativa, sabemos que tudo é possível. Esse é o período em que podemos fazer perguntas dentro de nós próprios e, logo a seguir, animarmo-nos na procura de respostas: cidade ou natureza? Norte, sul, oeste ou leste? Incrivelmente, enquanto imaginamos essas viagens futuras, tudo é possível. Podemos voltar a considerar aqueles destinos com que já sonhámos e que, por várias razões, não chegámos a visitar; ou podemos aproveitar para atualizar sonhos, para consultarmos a pessoa que somos neste instante e, a partir daí, considerar novas possibilidades.

Essa liberdade já é uma viagem. Se existir desejo, se tiveros coragem de segui-lo, podemos viajar mesmo ao ouvir músicas novas, ao assistir a filmes, ao ler livros ou, também, ao ler esta mesma revista. Em qualquer dos casos, querer conhecer o outro será sempre um sinal de otimismo e confiança. Viajar é o contrário do medo.

Leia aqui todas as crónicas de viagem de José Luís Peixoto.


Crónica publicada originalmente na edição de julho de 2020 da revista Volta ao Mundo (número 309).

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