Nunca tinha pensado num ano sabático, mas a bioquímica já não o convencia. Embarcou numa viagem pela América Latina e, quando voltou a Portugal, foi por pouco tempo: até trocar as ciências por uma vida de «aspirante a viajante profissional».

Texto de Bárbara Cruz


Artigo publicado originalmente na edição de fevereiro de 2018 da revista Volta ao Mundo, número 280.

João Amorim, de 26 anos, fez a licenciatura e o mestrado em Bioquímica, mas no último ano da formação académica sentia que precisava de qualquer coisa diferente. «Não estava a gostar do que estava a fazer», confessa. «Queria sentir que estava a aproveitar a vida e a viver ao máximo. E isso não estava a acontecer de maneira nenhuma naquela altura. Queria sair, parar, repensar.»

Os amigos discutiam planos de abordagem ao mercado de trabalho, mas a mente de João vagueava. Um dia, no Facebook, conheceu por acaso a Associação Gap Year e percebeu que para promover o conceito do ano sabático – na prática, um ano para fazer algo diferente pelo mundo fora, seja viajar, trabalhar ou voluntariado – a associação iria patrocinar um projeto de viagem que fosse meritório. «Um gap year era mesmo o que eu precisava», pensou na altura.

Com a namorada Tamara Brandão, a «companheira de aventuras», dedicou-se a pôr de pé um plano. Nascia assim a viagem Follow The Sun, porque o plano implicava que fossem pelo globo atrás do Sol, a seguir o verão pelo continente americano durante oito meses. Enviaram a proposta e receberam as melhores notícias: «Quando ganhei foi como se tivesse mudado de vida, mudado de pele, de um momento para o outro. Uns momentos antes estava a pensar se ia conseguir arranjar emprego num futuro próximo, no momento seguinte a única realidade que interessava era que dali a dois meses ia partir para a grande viagem da minha vida», recorda.

Até então, João andara sobretudo por Portugal mas, por ser adepto de um turismo quase selvagem, viajar de mochila às costas pela América Latina pouco o intimidava. Desde os 20 anos que, todos os verões, pedia ao tio a carrinha de nove lugares emprestada e andava com os amigos a acampar por todo o país, a partir de São João da Madeira, de onde é natural. «Adoro o nosso retângulo à beira-mar plantado», afiança. Mas no fim do curso, explica, estava na altura de sonhar «mais alto». A viagem pela América Latina com a namorada começou em novembro de 2015. «Viajámos oito meses. Passámos pelo Sul do Brasil, Uruguai, Norte da Argentina e Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, Guatemala, México e Nova Iorque.» O percurso foi decidido «por impulso », mas havia uma condição obrigatória: «Fazer voluntariado em vários lugares diferentes e em ramos diferentes.»

«Quanto menos levarmos, mais liberdade temos, mais seguros nos sentimos e mais felizes viajamos», assegura João Amorim.

A missão foi cumprida com sucesso. João acabou por fazer voluntariado numa quinta ecológica no Peru, deu aulas de inglês no Equador, fez parte da organização num festival no Panamá e trabalhou em troca de alojamento num hostel da Nicarágua. Das experiências que deixaram marca, recorda a que viveu na Guatemala. «Não me saía da cabeça mesmo depois de a viagem ter terminado.» Como tantos outros turistas, foi com a namorada visitar a cidade maia de Tikal. Por falarem espanhol, entabularam conversa com o zelador do parque de campismo onde iam passar a noite e foi-lhes oferecida a possibilidade de ficarem a dormir dentro da cidade maia. Dormiram ao relento em cima de um templo na praça principal e foi «uma experiência do outro mundo. Não há explicação para a energia que aquele lugar tem, para a sensação de estarmos a fazer uma coisa tão única e tão rara», conta.

Admite que o orçamento pesou muitas vezes nas escolhas que faziam ao longo do percurso, mas o voluntariado ajudou a controlar os gastos. E veio do ano sabático com «o segredo» para o sucesso de uma viagem de mochila às costas: «Levar o mínimo possível. Quanto menos levarmos, mais liberdade temos, mais seguros nos sentimos e mais felizes viajamos», assegura. Quando regressou a Portugal, vinha disposto a procurar trabalho na área da bioquímica e teve experiências profissionais no Porto e na Holanda. «É garantido que a viajar se aprendem coisas que nenhum curso universitário nos ensina, vimos mais bem preparados para o mundo universitário ou profissional depois de uma experiência deste género», reflete.

Enquanto trabalhava, porém, «a cabeça ia vagueando pelas experiências vividas e outras ideias foram surgindo». Teve vontade de regressar à Guatemala e queria dar a conhecer aos amigos o país que tanto o fascinara, por isso preparou sozinho uma viagem com todos os lugares por onde gostaria de voltar a passar. Acabou por enviar o plano para agências que trabalham com líderes de viagem e, de repente, viu-se contratado para levar viajantes a explorar a Guatemala e o Peru. Mas diz que ainda é um «novato nestas andanças »: nesta altura, considera-se um «aspirante a viajante profissional», sem pensar muito no futuro e no que está para vir. «O agora sorri para mim e eu sorrio de volta. Estou bem assim», afirma.

Nos primeiros meses de 2018, vai andar pelas escolas de todo país a convite da Associação Gap Year, para falar aos mais novos sobre as potencialidades de um ano sabático. Não quer evangelizar nem tirar ninguém da escola. O objetivo, explica, é sobretudo apresentar alternativas. «Nem todos temos de seguir o mesmo caminho, é normal e saudável ter dúvidas e questionar», sublinha. Aos alunos quer dizer que não tenham medo de «sair da caixa», de procurar o que há para lá das fronteiras. «O curso universitário e a carreira podem esperar, mas a vida não», resume.

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