Já foi pastor e GNR, é músico de formação, estudou Psicologia e é líder de viagens da Landescape. Francisco Agostinho divide-se entre Portugal, o Médio Oriente, o Sudão e os Balcãs. E não consegue escolher de qual destes amores gosta mais.

Entrevista: Redação VM
Fotos: Francisco Agostinho e Landescapes

Que tipo de viajante é?
F.A. Hoje, a maior parte da malta acaba a escola e vai viajar ou fazer voluntariado. Nunca fui esse tipo de viajante. Tenho 39 anos e ganhei o bichinho das viagens porque a minha família andava de um lado para o outro, mas o meu pai – fôssemos para onde fôssemos – já tinha a curiosidade de ir visitar o que havia por lá. E passou-me isso. Não era uma questão de ir para o outro lado do mundo, porque não tinha essas possibilidades, mas dentro de Portugal visitei muita coisa. E depois comecei a ganhar o meu ordenado e a começar a viajar sozinho.

Qual foi o primeiro destino?
F.A. Ainda há pouco me perguntaram quais as viagens mais marcantes. A primeira foi vir de Leiria para Lisboa, de comboio. Tinha 14 anos e vinha ver o concerto de uma orquestra. Se fosse Metallica também vinha, mas não havia dinheiro para o bilhete. Vim no comboio, de madrugada, de Pombal e fiquei a dormir o resto do dia na estação de Santa Apolónia. A primeira para o estrangeiro foi para Marrocos, de transportes públicos. Acabei por fazer lá uma família amiga, perto de Taroudant, e mais tarde passei lá um dia nas montanhas com a minha namorada. Nem árabe nem francês falavam, só berbere. Foi aí que percebi que viajar daquela forma era o que queria. Deu-se o clique. Já tinha ido a EUA, Canadá, Suécia e Brasil, mas o Médio Oriente acabou por ser a minha cena. Mais recentemente surgiu o Sudão.

É um país assim tão surpreendente?
F.A. É. As pessoas são impecáveis. E o Médio Oriente todo também.

Mas será que o Médio Oriente tem mais fascínio para os homens? Sendo mulher, a sensação seria a mesma?
F.A. Não sei. Já vi relatos de mulheres que viajaram sozinhas e foi tudo tranquilo, mas têm de compreender ao que vão. Se aqui, no mundo ocidental, já é o que é e ainda vamos lutando contra a discriminação, lá estão 30 ou 40 anos atrasados, como acontecia cá quando as mulheres tinham de pedir autorização ao marido para viajar. Isso foi há pouco tempo. Na história foi ontem. Se as mulheres partirem desse princípio, se calhar depois até se vão supreender. Se vão à espera de que seja igual a Portugal, podem ter problemas. É um tema complicado, porque até mesmo na Jordânia, que é um país habituado ao turismo, já vi, em Petra, uma rapariga de saia curta e decote acentuado – era americana – que subia às rochas, sem autorização, para fazer grandes poses e fotografias. Ninguém disse nada, mas para muitos habitantes locais causou alguma revolta.

«Aos 15 anos, andava a guardar vacas em Alfeizerão, vivia numa barraca. Depois fui
trabalhar numa fábrica, mas era pior do que guardar vacas.»

O tal fascínio pelos países árabes pode ter que ver com o facto de os portugueses não sermos assim tão diferentes deles?
F.A. Sim, vem muito disso. Nós vamos perdendo a cena da família. Vou agora voltar à Jordânia, mas com a minha família de férias. E vou porque já lá fiz amigos e existe muito a cena da família. Dentro daquele ar austero, há um lado muito sensível das amizades.

Como português, acha que somos mais bem recebidos do que viajantes de outras nacionalidades?
F.A. Não sei se é por ser português, mas acho que sim. Há uma espécie de carinho, mas também digo honestamente: se não fosse o futebol éramos desconhecidos.

Mas abre mais portas do que fecha ser português?
F.A. Sim, a maior parte das vezes, sim. Acho que há um carinho, uma ternura. Ainda agora na Jordânia conheci um homem que trabalhou com portugueses em França. E nós temos a coisa de nos adaptarmos bem às situações. Podemos até estar na brincadeira com alguém, mas depois falamos bem com as pessoas, temos uma grandeza de espírito.

Quando começou a ser líder de viagens?
F.A. Há três anos.

E as pessoas estão cada vez mais dependentes da tecnologia, mesmo em viagem?
F.A. Isso é uma luta que travo. As pessoas, às vezes, não se apercebem, mas, mesmo sem ser das tecnologias, o desligar da vida é difícil. Este tipo de viagens e de agências cada vez tem mais adesão, porque são grupos pequenos onde é mais fácil haver entrosamento. Acho que as pessoas buscam isso porque o dia-a-dia está mais rápido e, naquela semana ou 15 dias em que estão a viajar, tento que desliguem. E isso é um bem que se faz e que eu adoro fazer.

Um bom líder tem de ser bom observador?
F.A. Sim, acho que até está ao mesmo nível de saber tanto do país como de pessoas. Se o grupo for muito grande, explicam-se as coisas e pronto. Se é mais pequeno, há contacto direto com cada pessoa.

Já houve surpresas desagradáveis?
F.A. Não, nunca me chateei com um cliente. É natural que me identifique mais com uma ou outra pessoa, mas isso fica para mim.

E boas surpresas?
F.A. Sim, muitas. Tenho conhecido pessoas extraordinárias, como uma senhora de 84 anos que começou a viajar aos 70 e poucos e foi trinta e tal anos freira, fez missões, tem o espírito de aventura. Fez a primeira viagem comigo à Jordânia e já foi ao Irão com a Landescape. Em junho vai aos Balcãs comigo outra vez. Há uma entrevista dela no site da Landescape. Vale a pena.

«É natural que me identifique mais com uma ou outra pessoa, mas isso fica para mim.»

De todas estas viagens de grupo, qual a que dá mais prazer?
F.A. Talvez o Sudão, por ser a mais desafiante. É tudo muito diferente, por estar a ver que estou a ajudar as pessoas do grupo a aceitar determinadas coisas que cá temos por garantidas. Por exemplo, o restaurante. Na capital há restaurantes, mas no resto do país não. Há sítios onde se come, o que é diferente. E às vezes queres dar uma gorjeta e não aceitam.

Qual o plano para os próximos meses?
F.A. Líbano em fevereiro, Israel e Palestina em março e setembro, Jordânia em abril e outubro, Balcãs em junho e Sudão em novembro. Tem sido uma experiência fantástica. Nunca pensei que pudesse estar nesta posição. A minha vida foi um labirinto. Aos 15 anos, andava a guardar vacas em Alfeizerão, vivia numa barraca. Depois fui trabalhar numa fábrica de moldes, mas era pior do que guardar vacas. Daí fugi e andava a distribuir paletes numa carrinha, sem carta. Uns anos mais tarde, entrei para a GNR. Basicamente, a tropa e a GNR salvaram-me a vida. Estive na GNR e encontrei estabilidade, deu-me muita coisa, andei na fanfarra da banda,toco trompa, tive um restaurante. E isto é muito resumido…

A experiência da GNR é útil como líder de viagens?
F.A. Também. No fundo, foi a experiência da vida toda que me proporcionou isto, mas o que descobri depois de viajar por muito sítio foi que as pessoas, em todo o lado, querem a mesma coisa: paz, cuidar dos filhos, educá-los e ter dinheiro no bolso. Mais nada!


Entrevista publicada na edição de março de 2020 da revista Volta ao Mundo, número 305.

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