Patrícia Carvalho parou a vida para viajar por um ano. Parou? Se calhar não.

Patrícia Carvalho

O conceito de gap year, ou ano sabático, está cada vez mais disseminado na nossa sociedade, e ainda bem.

Há cada vez mais pessoas a viajar, seja por um mês, seis ou 12. Antes da universidade, no final, depois dos 30 ou aos 50.

E isto é bom – afinal, cada vez mais percebemos que o trabalho não nos define e que, numa vida de 70 ou 80 anos, é bom ter algum tempo em que nos permitimos ser (mais) livres e fazer o que mais gostamos.

Porém, esta ideia de gap year/ano sabático vem sempre acompanhada de expressões como – “vou parar um ano”, “vou tirar um ano”. Como se tirássemos um ano à vida.

Parece que, se morrermos com 82, só 81 é que contam porque o outro em que andámos por aí a viajar não conta como um ano de vida (mesmo que, possivelmente, esse tivesse sido o ano em que mais a VIVEMOS).

Mas a expressão “parar um ano” parece-me ainda pior. Parece que a vida está a acontecer e nós decidimos pará-la. Carregamos no STOP. Pronto, parou.

Agora podemos descansar e ir fazer coisas que não contam. Coisas que não contam são coisas que não contribuem para o nosso engrandecimento na sociedade – que não nos fazem crescer na carreira nem na conta bancária, ou comprar casa, carro e um sistema de luzes LED automático.

Durante esse ano paramos a vida e depois regressamos ao ponto onde ficamos e carregamos no PLAY. E ela continua, exatamente nos moldes anteriores.

E é aqui que está o engano. Não é assim que funciona. Ninguém pára a vida, como diz Gabriel o Pensador na canção “Sem parar”.

Quando “parei um ano” para viajar, achei que estava literalmente a parar. E este foi um dos erros que cometi.

Senti que coloquei de lado todos os meus objetivos para a vida adulta e fui viajar, viver o meu sonho e fazer coisas que não contam.

E achei que, no final da viagem, ia regressar ao ponto onde tinha começado e dar continuidade aos projetos/objetivos/ideias/sabe-se-lá-mais-o-quê que tinha deixado.

O problema é que a vida não pára e eu não parei a minha. A vida continuou e eu continuei com ela. Mudei com ela.

Quando voltei, era outra pessoa e aqueles objetivos já não faziam sentido. Já não me serviam. Não eram aquilo que eu queria, que me preenchia, que me definia.

Mas eu, tão cega com a ideia de “parar um ano” (mas só um, porque senão é de mais), não fui capaz de ver isso. Retomei os objetivos e segui em frente com eles.

Não consegui. Lentamente, fui percebendo que não era a mesma pessoa. Mas insisti.

Obriguei-me a gostar. Não valeu a pena. Perdi tempo, sim, mas não foi a “tirar um ano”.

Foi a aceitar que o meu caminho já não era por ali. Perdi mais tempo a procurar o PLAY do que a fazer as tais coisas que não contam.

O Mundo, as viagens, as experiências que vivi e as histórias que ouvi mudaram-me mais do que eu imaginaria no dia em que “parei a vida”.

Schopenhauer disse: “O homem é livre para fazer o que quer, mas não para querer o que quer”.

Eu já não podia querer o que já não era.

Partilhar