COSTA RICA EARTH DAY

Em agosto de 2020, em pleno confinamento provocado pela covid-19, a Costa Rica anunciou a abertura do seu 30.º parque nacional.

(Ezequiel Becerra / AFP)

Por entre os trilhos da floresta abriram-se passagens para o mundo sombrio da antiga ilha-prisão de San Lucas, ao largo da província de Puntarenas.

As ruínas testemunham o longo período, de 1873 a 1991, em que o centro de detenção encarcerou os políticos indesejados do regime de Tomás Guardia e, depois, os condenados considerados os mais perigosos do país.

Ao longo de 118 anos, a velha cadeia de alta segurança, no Golfo de Nicoya, foi um lugar amaldiçoado. Agora, há filas de turistas a quererem conhecer a sua história, mergulhar nas praias de águas azuis e explorar as matas densas e abundantes de flora e fauna.

A data de inauguração do novo parque não foi uma mera casualidade. É antes um lembrete de que o Planeta é uma prioridade, à prova de qualquer pandemia.

Há décadas que a Costa Rica lidera uma das mais bem-sucedidas estratégias de ecoturismo.

As suas receitas já ajudaram a financiar a preservação de áreas florestais como Monteverde, selvas remotas da península de Osa ou destinos populares como os parques de Tortuguero ou Manuel Antonio.

A conservação da Natureza, aqui, é uma causa nacional. Se há um país que demonstrou ser possível tirar proveitos económicos com o turismo sustentável, é a Costa Rica.

Quase 30% do território está protegido como parque nacional e praticamente toda a energia produzida vem de fontes renováveis.

Os costa-riquenhos recebem 1,7 milhões de turistas por ano, com cerca de 80% dos visitantes a procurarem atividades ligadas à Natureza.

Os ganhos com o turismo movimentam anualmente quatro mil milhões de dólares, gerando 450 mil postos de trabalho diretos e indiretos, o que, segundo os dados do Governo, representa 28% do total do emprego.

O Parque Nacional do Vulcão Tenorio, em Alajuela (Ezequiel Becerra / AFP)

Do Calvário ao paraíso

Mas a Costa Rica nem sempre foi esse modelo de boas práticas ambientais. Há não mais de meio século, as indústrias extrativas ainda eram uma séria ameaça à diversidade ecológica do país.

Foi por essa altura que o biólogo Alvaro Ugalde e o agrónomo Mario Boza começaram a pressionar o Governo para criar o Sistema de Parques Nacionais.

Em 1970, surge o primeiro, o Vulcão Poas, até então corroído pela cobiça de garimpeiros, madeireiros e caçadores.

Inspirados pelo exemplo das Great Smoky Mountains, entre o Tennessee e a Carolina do Norte, nos Estados Unidos, lançaram uma campanha nacional, esforçando-se por demonstrar que uma única árvore pode ser vendida milhares de vezes aos visitantes, mas só uma vez aos madeireiros.

Liderando uma estratégia invulgar, Ugalde e Boza convidaram filantropos milionários, fundações e académicos para experimentarem a Natureza selvagem da Costa Rica em primeira mão.

Escusado será dizer que é impossível ficar indiferente a um lugar que está entre os 20 mais ricos do Planeta em biodiversidade. De bosques nos picos das montanhas, envoltos em neblina, às florestas tropicais secas e húmidas, os parques nacionais são o habitat para uma quantidade praticamente inesgotável de plantas e bicharada da Costa Rica.

Gratos pela oportunidade, os primeiros visitantes doaram milhões que serviram para comprar propriedades e ampliar a rede de parques nacionais.

O desmatamento generalizado, no entanto, só seria travado em 1987, quando o então presidente, Oscar Arias, ganhou o Prémio Nobel da Paz pelo seu esforço em negociar o fim do conflito entre os Estados Unidos e a União Soviética, na América Central.

Mais eficaz do que centenas de campanhas de marketing, o acontecimento colocou a Costa Rica debaixo dos holofotes mundiais, com o turismo a explodir nesse ano e a ultrapassar a fasquia do milhão de visitas em 1999.

A expansão da rede de parques nacionais passou, então, a ser o caminho obrigatório, com um total de 166 áreas hoje legalmente protegidas.

À boleia desse movimento chegaram também os pioneiros dos empreendimentos turísticos sustentáveis.

Empresários americanos, como Jim Damalas, CEO do Greentique, o primeiro eco-hotel, no parque Manuel Antonio, Jack Ewing, ambientalista e proprietário do Hacienda Barú, na província de Puntarenas, ou Michael Kayne, fundador da Costa Rica Expeditions, consolidaram, no final do século XX, o ecoturismo como uma marca nacional.

Programas governamentais foram, do outro lado, moldando as políticas ambientais no país. Desde 1997, por exemplo, o Conselho de Turismo da Costa Rica classifica e certifica os operadores com base na gestão que fazem dos recursos naturais, culturais e sociais.

O processo para se obter um selo verde, com níveis que vão do um ao cinco, é bastante detalhado, envolvendo inspeções e avaliações periódicas para se certificar que as empresas operam com o mínimo impacto no ambiente e o máximo impacto na comunidade.

(Ezequiel Becerra / AFP)

Visão de longo prazo

Mais precoces foram as medidas que conduziram a Costa Rica até às energias renováveis.

Ainda na década de 1970, quando o Fundo Monetário Internacional, em Washington, de tudo fazia para que se rendessem ao carvão, os costa-riquenhos viraram-se para os recursos hidroelétricos.

A história poderia ter sido diferente – ou, então, igual a tantos países em vias de desenvolvimento, que cederam às pressões de curto prazo.

Mas, aqui, o plano foi recusar a importação de combustíveis fósseis e aproveitar a água que corria abundante pelo país.

Hoje, 78% da energia chega das barragens e 18% das perfurações geotérmicas. Tudo o que se colheu nas décadas seguintes foram os frutos de escolhas do passado.

O sucesso no ecoturismo dinamizou outros setores, ajudando o país a diversificar as receitas e a libertar-se das importações de café, bananas, açúcar ou arroz.

A transferência de empregos da indústria madeireira para o turismo é o exemplo óbvio, mas o mercado cafezeiro está também entre os que melhor souberam aproveitar a popularidade internacional do país.

Enquanto boa parte dos estados latino-americanos penaram com os preços baixos das marcas asiáticas, a Costa Rica manteve-se à tona, com os estrangeiros a bebericarem em média duas chávenas de café gourmet nacional, o suficiente para movimentar mais uns quantos milhões na economia costa-riquenha.

O empenho da Costa Rica tem sido amplamente reconhecido com prémios e elogios vindos de toda a parte.

Em 2017, a ONU elegeu o então presidente, Luis Guillermo Solis, como embaixador especial do Ano Internacional do Turismo Sustentável.

Dois anos mais tarde, o país recebeu o galardão “Campeões da Terra” do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

E até o ator e ativista ambiental Leonardo DiCaprio felicitou no Twitter o anterior chefe de Estado, Carlos Alvarado Quesada, por expandir, no final do ano passado, a proteção marinha, ao largo da ilha de Cocos, para “uma área maior do que o estado de Nova Iorque”.

Uma preguiça no Santuáriode Cahuita (Ezequiel Becerra / AFP)

Problemas no paraíso

O turismo sustentável é um dos grandes orgulhos do país, mas os costa-riquenhos começam também agora a perceber que não é preciso muito para deitar tudo por terra.

Com a pandemia, aumentou a procura por refúgios de luxo, originando um boom na construção. Os novos residentes, sobretudo americanos e canadianos, já são conhecidos como os “fugitivos da covid-19”, que buscam uma vida mais íntima com a Natureza.

A popularidade de cidades do litoral, nas províncias de Guanacaste ou de Puntaneras, ameaça, segundo a imprensa local, não só atrofiar o mercado imobiliário, como comprometer o ecossistema das zonas costeiras, com violações das regras ambientais recorrentemente denunciadas por organizações e operadores turísticos.

No Caribe da Costa Rica, o desmatamento das florestas mostra também que nem tudo corre de feição no paraíso.

O derrube de árvores acontece a conta-gotas, dando lugar a residências e empreendimentos turísticos.

As perdas são indetetáveis pelos satélites, mas os seus efeitos já são visíveis na emissão de gases de efeito de estufa, que duplicaram nos últimos sete anos, de acordo com os dados da estratégia nacional REDD+.

O que está em causa, além da perda de biodiversidade, é a sobrevivência de uma das espécies mais icónicas da Costa Rica.

Organizações como a Fundação Sloth Conservation desdobram-se em canseiras para salvar as preguiças que, com o desmatamento, ficaram impedidas de atravessar as áreas desflorestadas.

Pontes de corda no cimo das árvores ajudam os animais a percorrer as florestas com segurança. Sem essas ligações, as preguiças veem-se obrigadas a descer até ao chão, onde são atropeladas por carros, atacadas por cães selvagens ou eletrocutadas nas linhas de alta tensão.

O problema, camuflado entre as manchas florestais, não é só uma tragédia para as preguiças.

Trata-se, acima de tudo, de um alerta a fazer lembrar que a sustentabilidade ambiental da Costa Rica não é um estatuto vitalício.

Mas antes uma condição tão frágil como a nossa existência no Planeta.

Este artigo foi publicado originalmente na edição de julho de 2022 da Volta ao Mundo

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