Foto: DR

No coração da Serra da Estrela há um lugar onde a comunhão com a Natureza é perfeita, a dois passos de segredos bem guardados nas altitudes do nosso país. Chama-se Vale do Rossim Ecoresort.

A beleza dos nomes que pintam o maciço da serra da Estrela é quase tanta quanto a do horizonte que se nos apresenta, do alvor ao ocaso.

Na curva do caminho de terra e pedras soltas que segue para o Lagoacho (é das albufeiras maiores, desenganem-se), esse caminho onde um agricultor assobia sons à cata das vacas tresmalhadas (é tanto o território que elas seguem determinadas atrás do cheiro da água), há outro caminho que se estreita, sobe a colina e se enfia entre as giestas altas, tão altas que nos acariciam a face suada até nos largarem para o espanto.

Um círculo imaginário contorna os restos de uma fogueira recente e, ao lado, estende-se água, translúcida, pura, tons de ouro sobre o granito polido pela corrente, e um ramo de mariolas. E há essoutro nome: Erva da Fome. Trágico ou salvador?

Queremos vê-lo salvador. Esta lagoa não consta das redes sociais nem das listas dessas coisas virais ou viralizadas, como sói agora chamar-se ao que todos conhecem de vista e todos procuram para repetir à exaustão uma imagem que já não espanta. E ainda bem. Tem um ralo, também, a Erva da Fome.

Foto: Ivete Carneiro

Como tem o Covão dos Conchos instagramado até à náusea (por vezes com aquele sal extra de um mergulhinho até à borda do ralo, absolutamente proibido porque simplesmente idiota, aquilo é um ralo de tamanho sobre-humano que drena a água da Ribeira das naves para um tubo subterrâneo de metro e meio ligado à Lagoa Comprida).

Mas este é meio ralo e fica lá do lado onde não se chega e ainda bem. E fica neste ermo onde só chega quem sabe, porquanto ninguém nem nada o indica, talvez só os mapas, que dele dizem ser um ponto azul no verde, sem nota do vertedouro, como há outros no sistema hidroelétrico da serra da Estrela.

Descobrir aquela paz levou qualquer coisa como 45 minutos desde que fechamos a porta do chalé do Vale do Rossim Ecoresort que nos serviu de lar por aqueles dias.

Foto: DR

A caminhar com a calma que a serra imprime, sem pressas, a tentar sentir o odor da vegetação deleitada ao sol da manhã, como sentimos o sabor de um café fresco no alpendre da casinha com vista para o infinito.

Não há um som da civilização por ali. Apenas o assobio falado do agricultor. Ou o canto do rebanho que cruza aqueles caminhos de transumância todos os dias.

Mas há cheiros. Perfeitos. Como aqueles que, pela manhã, se meteram janela adentro quando a abrimos para libertar um inseto preso. Os inconfundíveis cheiros da serra da Estrela.

Pernoitar no Vale do Rossim é aconchegar-se na Natureza de um território mágico, a 1437 metros de altitude, o perfeito meio termo da altitude, a descobrir as estrelas todas do céu e pedras todas da montanha.

As da esquerda, sabemos agora, são “fragões de forma acastelada” que os pastores apelidaram de penhas douradas. As Penhas Douradas. As da direita são as que indicam o caminho até à Nave da Mestra e à Talisca e à Casa do Juiz, refúgio de conspiradores e de modestos pastores, ou o caminho até ao cume de Portugal continental, a Torre, todas pedras gigantes com marcas vermelhas que ali foram colocadas por quem conhece aquele planalto como ninguém, para que ninguém nele se perca sem querer. Porque querer perder-se ali é permitido.

Foto: DR

Dali de cima, do marco geodésico, apercebe-se a albufeira do Vale do Rossim, velha lagoa feita barragem a abraçar as águas da Ribeira de Fervença e os afoitos que, nos dias quentes, desafiam o frio (desculpem, a água da Serra é sempre fria) e mergulham ou pedalam ou “padelam”, que isto dos nomes é o que é.

É nas margens desta imensidão líquida que Marta Marques nos expõe o acaso que a pôs ali, a gerir um sonho que quer grande. Marta e o companheiro João são os novos responsáveis do Vale do Rossim Ecoresort, onde possuem duas das cabanas de madeira e gerem as dos outros proprietários, para lá dos yurts já famosos e dos quinhões de terra para montar uma tenda. E do restaurante onde nos sentamos à sombra.

Vieram da Ericeira descobrir este lugar “único” e ver a primeira das cabanas, encontrada à venda na Internet, e foram convencidos a assumir o leme. Prometem uma nova vida. A começar pela abertura do restaurante ao longo de todo o ano – o verão é belo, o inverno é-o talvez mais, todo ele branco nesta altitude.

Foto: Iuri Oliveira

E a prosseguir pela melhoria do Ecoresort, já abrilhantado com espaços de jogo para os mais novos e com uma receção acolhedora e com a organização de retiros que podem ser de caminhada, corrida, meditação ou alma.

E se há almas onde a palavra acolher ocupa o maior dos espaços são bem as deste casal: na Ericeira cuidam de 70 animais resgatados num santuário. Aqui querem cuidar de almas como as deles, incapazes de não se emocionar com meio ralo numa lagoa e com o pôr do sol sobre Portugal, que dali de cima parece que o que se alcança com a vista é todo o Portugal. Isso e lontras, tem dias de outono. Ou aves em migração. Ou ovelhas em transumância. Ou não fossem aquelas as melhores pastagens da serra.

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