Foi há cinco anos a minha viagem ao Peru. Uma viagem de cortar a respiração, literal e metaforicamente. Depois de Machu Picchu, achei que nenhum outro lugar poderia arrebatar-me. Mas isso foi antes de chegar a Tambopata, na Amazónia peruana, e caminhar cinco quilómetros de floresta densa até ao lago Três Chimbadas, onde uma jangada conduzida suavemente pelo senhor Luís nos esperava para nos apresentar o silêncio e as águas e os pássaros e o céu e toda aquela vegetação que parece nunca ter sido tocada pelos homens. Se existir algum centímetro do mundo em que os homens não tenham tocado, talvez seja algures por aqui.

Tivessem os humanos a sabedoria destas árvores e a Amazónia não estaria hoje em risco como está.

Também foi antes de ver o nascer do Sol do alto de uma torre de trinta metros às quatro da manhã e depois embrenhar-me em nova caminhada embalada pelos guinchos das araras e dos macacos e ficar a saber das andantes, que, em busca do sol, perdem raízes atrás e ganham à frente, deslocando-se na terra, lentamente. Tivessem os humanos a sabedoria destas árvores e a Amazónia não estaria hoje em risco como está.

[Fotografia de Leonardo Negrão]

Não sei se o mundo nasceu aqui – seria um bom lugar para nascer -, mas as últimas notícias dizem-nos que, a continuar assim, a ser destruída perante o olhar inexplicavelmente impassível de todos, é lá que pode morrer, às mãos de obscuros interesses económicos e com o beneplácito de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil, onde a floresta tida como o pulmão do planeta tem grande parte da sua área. Nunca fui à Amazónia brasileira, mas conheço a irmã peruana. É um lugar de vida e não de morte e deveríamos preservá-la como se não houvesse amanhã, porque sem ela não haverá. Não por muito tempo.


Crónica publicada originalmente na edição de setembro de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 299.

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