Esta praia fluvial portuguesa isolada é um paraíso - veja as fotos
[Imagem: D.R.]

Lembro-me de sozinho, no quarto, numa espécie de confinamento, aperfeiçoar os primeiros acordes na viola clássica com a música Alentejo quando canta, sei que está na solidão. Aos lugares mais isolados, ou mais dentro, resta-lhes também aperfeiçoarem-se assim, sozinhos. A estes lugares, rodeados de círculos de silêncio, como é o caso da praia fluvial de Brinches, na freguesia de Pias, no Alentejo, basta-lhes a realidade para serem uma marca bonita.

A areia de praia, despejada por um camião neste recanto de um dos braços do rio Guadiana, não chega para desfazer ou banalizar esta realidade que não foi renovada por nenhum arquiteto. Apenas serviu para retocar o solo, colocando-lhe um tapete de areia, para que possamos andar descalços. O encanto deste lugar está precisamente no efeito de nos sossegar, ou seja, em fazer com que não possamos fazer muita coisa a não ser olhar. Dessa forma, tornamo-nos herdeiros do seu descanso ou, quando o calor aperta, vassalos de um banho de rio.

O aprender a estar num lugar isolado tornou-se uma coisa cheia de sentido. O olhar instintivo, que é por exemplo o rodar a cabeça para apanhar com os olhos um peixe a saltar, começou a dar material ao cérebro para este criar histórias a partir de coisas simples. E é esse tipo de olhar que recusa a pressa que este lugar, e os seres que o habitam, não têm. Os riachos coaxam, envoltos em canas. Os campos de oliveiras jogam em linha. Os burros, os porcos pretos, as ovelhas e os cavalos fazem parte da mesma equipa. Dão-se todos tão bem que parece que são eles que estão à disposição do lugar e não o contrário. Existe maior complexidade nas figueiras do que nestes seres vivos: porque não têm flor, mas dão fruto. A terra lavrada, a fazer careta de esforço para sustentar as laranjeiras, que são muitas, e, por isso, algumas sentem-se a mais. Mas não deviam. É difícil encontrar pessoas que consigam manter várias laranjas no ar ao mesmo tempo, mas as laranjeiras conseguem fazê-lo.

De vez em quando lá aparece um vendedor de dialetos. Vem de carro, normalmente com uma boina e a barba toda junta nas patilhas, vende-nos o “bô tardi” e uma sombra que faz com a mão na testa, e segue o seu caminho. Faz muito calor aqui. Este sol é de ginásio, tem um grande caparro. A única forma de nos oferecermos a um lugar como este é colocarmos o corpo à disposição, banhando-o nas águas calmas e pouco profundas deste ribeiro do Guadiana. Aqui, com surpresa, há amêijoa de rio. Mas não há nenhum curso de aplicação nem de incentivo para a sua apanha. Talvez porque se prefira apenas investir na quietude deste encanto ou numa forma de aperfeiçoar a solitude do nosso foro interior.


Rui Peres nasceu em 1982 na aldeia de Picote, Miranda do Douro, Trás-os-Montes, Portugal. É licenciado em Engenharia de Telecomunicações e Informática mas continua a usar máquina de escrever. Trabalhou em projectos para aviões e comboios mas prefere andar a pé. Viveu em vários países. Editou centenas de poemas nas toalhas de mesa dos jantares de família. Está a cumprir o seu sonho – dar a volta ao mundo. Partilha histórias com pessoas e lugares no seu projeto @mal.parado.

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