Miguel Neves largou o simulacro de vida que tinha em Portugal e rumou ao desconhecido. Parou no mais longe da Noruega, as ilhas Lofoten. E propõe agora guiar por lá quem as queira conhecer verdadeiramente.
Há cinco anos, Miguel despediu-se de um emprego das 9 às 5 e foi à procura da liberdade. Encontrou-a no afastado aruqipélago norueguês das Lofoten, tornadas a sua segunda casa, onde vive metade do ano do trabalho em hotelaria. A primeira? O sítio onde a carrinha está estacionada. Agora, tem sido o Gerês, onde escolheu Covide para construir um abrigo de montanha com a companheira e ter uma espécie de poiso português que partilham com quem se interessar.
As Lofoten são a impermanência, a conexão com a Natureza mais pura, as auroras boreais, o sol da meia noite, as montanha a brotar de um mar chão. Uma paixão que decidiu não guardar e vai partilhar como líder da agência de aventura Landescape. Conheça-o aqui na primeira pessoa e inspire-se nas páginas de instagram @our_alma e @_vanbora.
De onde veio a ânsia de viajar? A ânsia veio da busca de uma vida livre. Estava a percorrer um caminho que não era o meu. Não era bem eu. Numa cidade que não me trazia a paz, a calma de que tanto precisava, mesmo sem saber. Queria liberdade, queria descobrir, conhecer e poder. E quando comecei nunca mais quis parar, porque para além de explorar o Mundo, conheci-me a mim mesmo.
O que leva alguém a desistir da estabilidade de um emprego e partir para o desconhecido? Senti que a fixação na estabilidade e na “segurança” me trazia medo de ser quem eu era. Dei por mim num emprego que me sugava toda a criatividade e alegria. A estabilidade é sobrevalorizada, especialmente para uma pessoa com 22 anos, sem grandes responsabilidades e compromissos. De repente consegui prever o meu futuro todo e isso assustou-me. Quando decidi viver por mim e não por um futuro “estável”, a deixar as próximas páginas todas em branco, em vez de me deixar ir pelo que me era esperado, senti-me mais leve do que nunca. E mesmo não sabendo o que fazer, soube exatamente aquilo que não queria fazer. Percebo agora que a estabilidade para mim significa ter tempo e espaço para me conhecer e fazer as coisas que me fazem feliz. E escolho nunca abdicar disso por uma vida que não me preenche.
O que têm as Lofoten para sugerir uma espécie de fixação numa vida viandante? As Lofoten abriram um espaço em mim que desconhecia. Por um lado, trouxeram-me novas amizades em que as trocas de histórias de vida me fizeram perceber que a vida era muito mais do que eu via antes. É isso que acontece quando sais da tua bolha e enfrentas novas realidades. Por outro lado, deram-me a conhecer uma Natureza tão pura, tão crua e por vezes dura. Em nenhum outro lugar sinto tanto que pertenço a este mundo natural, que transmite uma energia quase magnética de conexão com a Natureza e contigo mesmo. A contemplação é constante, o silêncio viciante e tem sido um privilégio ver o tempo passar ali, a caminhar e correr pelas montanhas e deambular pelas estradas destas ilhas. É difícil passar para palavras o que aqueles fiordes deixam em mim.
Como surge a ideia da carrinha no meio desta busca pela liberdade? Antes de ter a carrinha viajei muito num Citroen C1 que me levou quatro vezes de Portugal até às Ilhas Lofoten e esta foi a minha primeira experiência de “vanlife”, em que dormia no carro ou na tenda e cozinhava todos os dias num campingaz. Viajava de forma autónoma, sem depender de restaurantes ou hotéis, sem gastar mais dinheiro no dia-a-dia do que normalmente já gastaria. Queria ter o meu espaço e quando me perguntava “onde quero viver?”, não sabia a resposta. Mais do que tudo, queria viajar e sem este sentido de pertencer a um lugar específico, achei que o melhor seria ter uma casa sobre rodas.
Se te perguntarem de onde vens, o que respondes? Não é uma resposta muito fácil. Eu sou de Alverca, no Ribatejo, e apesar de não ser um sítio onde queira viver, vou sempre voltar pela minha família. Ainda assim, quando me fazem essa pergunta, tendo a responder que venho de onde a minha casa está estacionada. E nos últimos tempos tem sido na Serra do Gerês, onde gosto de me perder na montanha e nos seus trilhos infinitos.
Vais ser líder de viagem. O que queres transmitir a quem te acompanhar? Antes de perceber que queria ser líder de viagem, percebi que queria mostrar as Lofoten a outras pessoas. Se conseguirem imaginar montanhas dramáticas que nascem de um mar que está a maior parte do tempo parado, sabem que cenários destes falam por si. Mas quero, mais do que tudo, transmitir a paz de espírito que eles também sempre me trouxeram a mim. E, para nos conectarmos a este nível, aproximamo-nos da sua natureza – mergulhamos nos trilhos íngremes e caminhamos pelo mar gelado. Trata-se de trazer experiências e sensações novas aos que me acompanham, desde o desafio físico ao descanso sossegado em pura contemplação.