A Europa está a descobrir um diamante feito de tradições ancestrais, uma natureza impactante – dramáticos Alpes a norte e sedutora Riviera a sul -, apelativa gastronomia, um povo super-hospitaleiro e diversos lugares Património Mundial da UNESCO. Já tem planos para as férias?
Imagine um país que em 1991 desperta de 45 anos de severa ditadura e rigoroso isolamento internacional. Um terço da população de três milhões integra o exército e a democracia ‘acaba’ com o seu já parco ganha-pão. Sem meios de subsistência, muitos emigram. Quem fica, não sabe o que são bancos, não faz ideia como lidar com cartões de crédito, seguros… Um choque civilizacional tal que havia quem desconfiasse que as bananas, uma novidade, podiam matar e quem, num assomo de vaidosa modernidade, decorasse a casa com garrafas de Coca-Cola.
Essa Albânia, que se apresentava ao Mundo como a mais pobre e atrasada nação da Europa, já não existe. Aprendeu muito e bastante rápido, atenuando um forte atraso económico e social. Não tem sido um caminho fácil, nem perfeito, mas o país evoluiu, abriu-se e preparou-se para receber, da melhor forma, todos os que a desejam visitar.
‘Shqipëri’ (a terra das águias) é o nome oficial do país que todos conhecemos como Albânia e que continua em transformação…
TIRANA, UMA CAPITAL INTENSA
Em comparação com os vizinhos mais próximos, Tirana bem pode assumir o papel de capital mais vibrante da região, com tudo – de bom e de mau – que isso implica. É um organismo bem vivo em rápida mutação, percebendo-se claramente o seu crescimento, nem sempre isento de dores.
O bairro residencial de Blloku é o paradigma dessa mudança. De reduto restrito, limitado à elite do partido comunista – Enver Hoxha vivia aqui – passou a zona de bares, restaurantes internacionais e cafés modernos, acompanhados de lojas de luxo. Para os amantes de vida social e diversão, sobretudo noturna, este é o lugar certo para estar.
De um modo geral, as esplanadas de Tirana têm uma vida invulgarmente ativa a qualquer hora do dia. Lazer ou negócios, são à mesa. Por vezes, com ‘rakia’, a bebida alcoólica venerada nos Balcãs e aqui não é exceção, aconselhada somente como digestivo. Os 40 graus estão em todos os rótulos, menos nos da que é feita em casa, com ainda maior gradação. “Não temos covid-19 na Albânia e isso deve-se à rakia”, dizem-me, amiúde. Confio mais na medicina, contudo… vou experimentando.
Há um ou outro ancião que degusta diariamente esta bebida no coração de Tirana, que bate na praça Skanderberg, rodeada de edifícios emblemáticos. Falamos do bem interessante Museu de História Nacional, da surpreendente mesquita Et’hem Bey, da esbelta Torre do Relógio ou da possante estátua de 11 metros do próprio herói da nação, erigida em 1968, quando se comemoraram 500 anos do falecimento do que foi o maior protagonista de resistência aos otomanos.
Diversas estátuas alusivas ao comunismo e às suas figuras de referência desapareceram (estão ‘arrumadas’, ao ar livre, num relvado nas traseiras de um prédio próximo) desta praça em regulares modificações e que vai perdendo o austero estilo soviético, atualmente sem trânsito e com mais jardim.
A gastronomia é outro tópico realmente importante para os albaneses – esta é uma das poucas nações do planeta que não tem McDonalds – e a mais autêntica de Tirana encontra-se num conjunto de ‘tascos’ junto ao mercado novo, espaço que mantém a alma da tradição. Recomenda-se uma experiência no Odda, numa quase impercetível viela. O espaço, rústico, é sublime e a comida condiz na perfeição. Um sítio para usufruir sem pressa…
Nesta zona surpreendem alguns edifícios coloridos, até com opções mais ‘loucas’. É que no ano 2.000 o pintor Edi Rama chegou à presidência da câmara. Este multifacetado artista subiu na carreira e é primeiro-ministro desde 2013. A sua sensibilidade favorece as inúmeras instalações de arte de rua, que ajudam a ultrapassar o cinzento que dominou outros tempos, quando as expressões artísticas foram silenciadas, a partir da década de 1960.
Garantem-me haver harmonia religiosa entre os três milhões que vivem na Albânia, numa receita que contém cerca de 60% de população islâmica, 20% cristã e uns 10% sem fé mais outros tantos de crenças menos disseminadas.
“Acho que 90% dos muçulmanos nunca foram a uma mesquita. A tolerância é a nossa imagem de marca. Gostaríamos de ser um exemplo para o Mundo”, atira-me o espirituoso jovem que diariamente organiza ‘walking tours’, ele próprio o paradigma do que acabara de citar.
Durante a ditadura a religião não era bem aceite – em 1967, Enver Hoxha declarou o país ateu -, pelo que foram destruídos numerosos mosteiros, igrejas e mesquitas, perdendo-se esse riquíssimo legado histórico.
A catedral de São Paulo, inaugurada em 2002, celebra Madre Teresa de Calcutá (de etnia albanesa, nascida na Macedónia e naturalizada indiana) bem como o antigo papa João Paulo II. Os seus vistosos vitrais merecem longa contemplação.
A imponente Namazgah é a maior mesquita dos Balcãs e um marco na cidade. Além de poder albergar 5.000 fiéis nas cerimónias religiosas, o projeto inclui uma biblioteca, centro cultural, sala de exposições e refeitório.
Se quiser fugir deste frenesi diário, tem de ‘voar’ no Dajti Ekspres, uma viagem de 15 minutos, de teleférico, com um desnível de 800 metros pela encosta da montanha até ao céu. No fim, deparamo-nos com um complexo turístico com áreas naturais bem cuidadas, muito apreciadas por famílias e casais de namorados. De verão é ótimo para caminhadas e de inverno para ski.
A ‘FEBRE’ DOS BUNKERS
Enver Hoxha, que em 1976 rebatizou o país de República Popular Socialista da Albânia, desentendeu-se com as principais potencias comunistas, rompendo os laços com todos os seus amigos: com a antiga União Soviética, abandonando o Pacto de Varsóvia, cortou relações com a China e ainda se manteve hostil à vizinha Jugoslávia de Tito, que desejava anexar o seu país. Entre outros pretextos, acusou-os de não serem “suficientemente comunistas”.
Esta loucura isolacionista ajudou à sua febre pelos bunkers que supostamente garantiriam a defesa da pátria ante a ameaça, nuclear, de qualquer potência. Qual praga de cogumelos espalhados pela paisagem, foram construídos cerca de 175.000 exemplares, ainda assim bem aquém do que desejava.
Como se adivinha, nunca foram usados. Com a queda do regime, foram simplesmente abandonados. Alguns ainda acabaram transformados em armazéns ou abrigos para animais. Mais recentemente, um ou outro surgiram em projetos de hotéis.
Dois dos mais icónicos são agora museus, em Tirana, onde podemos mergulhar nas profundezas da terra e ver onde a alta esfera política e militar do comunismo poderia gerir a situação em caso de guerra nuclear.
No Bunk’Art 1, nos arredores, temos uma infraestrutura de cinco andares com mais de 100 divisões, incluindo um teatro e sala de reuniões para 200 pessoas. Em poucos locais do Globo a Guerra Fria e o design soviético estão tão bem retratados e documentados. Na baixa, o Bunk’Art 2, bem mais pequeno, percebemos, logo à entrada, ao que vamos, com fotos de dissidentes políticos condenados à morte.
Quem prefere um bom livro para entender a história, tem no consagrado escritor Ismail Kadare o narrador certo, alguém que defendeu que “ditadura e literatura autêntica são incompatíveis” e que assumiu que “o escritor é o inimigo natural da ditadura”.
“Eu tinha três opções: conformar-me com as minhas próprias crenças, o que significava a morte; silêncio completo, que significava outro tipo de morte; pagar um tributo, um suborno. Escolhi a terceira solução, escrevendo The Long Winter”, confessou.
ALPES: O PARAÍSO ESTÁ A NORTE
Os condutores albaneses não estão, seguramente, entre os mais virtuosos do planeta. Na verdade, compreende-se: a sua aventura começou somente há 30 anos, quando se estimava haver pouco mais de 1.000 carros. O comunismo proibia a propriedade automóvel a particulares, pelo que só os funcionários do governo de elevada patente e algumas empresas podiam ter um. Para se locomover, o resto da população socorria-se de carroças puxadas por cavalos ou bicicletas. Deposto o regime, ter uma viatura passou a ser símbolo de status social.
Se alugar em veículo – não precisa, pois a rede de transportes é boa – tem, a uns 30 quilómetros a norte, rumo a Shkoder, a medieval Kruje, imortalizada pelo herói George Castriot Skanderbeg, que a tornou uma fortaleza de resistência contra o império otomano durante mais de 25 anos. Nem que seja para explorar o seu bazar, com 400 anos, não resista a fazer uma paragem.
Em Shkoder, a uma hora e picos de condução, exploramos um burgo fundado no século IV AC e que atravessará agora uma das suas fases de maior fulgor. O seu centro histórico é realmente interessante e sem dúvida animado, ideal para quem planeia uns dias na montanha ou está a regressar dela. Particularmente para quem faz o mítico trilho que liga Thethi a Valbona.
ENAMORAMENTO NAS ‘MONTANHAS MALDITAS’
A beleza cénica que nos envolve a 360º em nada fica a dever à dos Alpes franceses, suíços ou eslovenos, com a diferença de aqui a experiência ser bem mais em conta em termos económicos.
Nestas paisagens alpinas perdemo-nos em arrebatadora natureza virgem, maravilhamo-nos em serenos lagos glaciares, somos surpreendidos por povoados pitorescos, e mergulhamos em tonalidades e sonoridades que dos devolvem uma profunda paz interior.
Optei por começar o meu périplo em Valbona, o que implica umas cinco/seis horas até a alcançar. Quem optou por ter carro, deve deixá-lo em Shkoder e apostar numa das diversas ofertas de transfere de/para as duas aldeias mencionadas.
A estrada não é um mimo até chegar a Koman, onde apanho o ferry para Fierze (e daqui novo transporte terrestre para Valbona), porém a viagem de barco é sublime, sem dúvida uma das mais estimulantes que já fiz. Distingue-se um idílio Canyon no lago Komani que nos põe o coração em sobressalto: é intenso o desejo de perpetuar o momento. De não deixar o tempo – nem a embarcação – avançar. O peito bate mais forte e o fôlego também se esvai quando prosseguimos ladeados por flora de enleadores verdes e imponentes picos nevados, neste paraíso fértil em opções de caminhadas.
Esta navegação através das límpidas águas do Rio Drinn é um dos mais imperdíveis postais turísticos do país. A jornada demora umas três horas e decorre exclusivamente entre abril e outubro. Não há mais impactante maneira de atingir as míticas Montanhas Malditas.
Valbona é uma pacata localidade rural, a uns 1.000 metros de altitude, espraiada num comprido vale.
Pincelada por casas típicas e alguns campos agrícolas, bem como vários chalés para nos hospedarmos, uns quantos com restaurantes abertos ao público. Tem igualmente serviços de informação turística para os viajantes independentes, além de várias possibilidades de atividades ao ar livre.
No Dia D, quando me apontam o rumo que devo seguir para Tethi, confesso que não vejo modo de superar aquele monstruoso maciço rochoso. Dizem-me que umas seis horas bastarão para o cruzar e alcançar o destino, contudo não faz mal se forem oito ou nove.
Calçado apropriado é essencial, bem como uma pequena mochila com água e alimento para recarregar energias.
Em todo o trajeto, encontrarei unicamente um lugar para sentar e comer. Apreciar as paisagens e saborear a popular tarte de maçã. Havia um outro, com o famoso iogurte com mel, só que nem há uma hora tinha tomado o pequeno-almoço.
O percurso entre Valbona e Tethi, que aproveita um velho trilho para mulas, tem vistas dramáticas e encantadoras. Pode ser algo exigente, nomeadamente para quem raramente faz caminhadas ou exercício físico. Primeiro, sempre a subir. Um desnível de 764 metros. Depois, tudo a descer. Precisei de oito horas, suficientes para comer relaxadamente em panoramas incríveis e perder-me em fotos.
Este desafio faz parte de um circuito com mais de 200 quilómetros em montanhas que nos ligam ao Montenegro e ao Kosovo.
Chegado a Tethi optei, em boa hora, por ficar instalado junto à igreja que é outra das imagens de marca da Albânia. Não pelo seu recheio, mas pelo seu estilo e paisagem envolvente. Delicio-me a contemplá-la desde diferentes pontos do vale e a distintas horas do dia. Aconselho a que o façam cedo, porque é inevitável que outros turistas cheguem para desfrutar do espaço, esfumando-se a magia da nossa solidão.
BERAT, A ENCANTADORA ‘CIDADE DAS MIL JANELAS’
Tem um porte robusto, traços de uma vida dura e severas dificuldades em expressar-se em inglês. Era marceneiro e agora é o faz-tudo no hotel onde me hospedo. Na receção convida-nos a subir, ver e escolher o quarto que mais cativa. Posteriormente, sem que lho peça, toma a iniciativa de ir falar com o gerente a sugerir um desconto à tarifa da reserva na internet. Ao pequeno-almoço, igualmente de sua responsabilidade, trata-nos como reis.
À semelhança de todo o cuidado e atenção que nos dispensa. A gorjeta que, simbolicamente, lhe deixámos no fim, transforma-a, pouco depois de partirmos, em telefonema para o taxista que nos conduz: diz-lhe que a ‘corrida’ será paga por ele, nada permitindo que nos cobre. Çimi é, por isto e muito mais, a mais grata recordação que trago da Albânia, um país com imensos interesses, a começar pelo coração bondoso do seu povo.
Para muitos, a cidade deste bom gigante é o maior ex-líbris da nação. Este Património Mundial da UNESCO destaca-se pelas casinhas amontoadas encosta acima até ao castelo, bem lá no alto, povoado por dezenas de famílias no aconchego das suas robustas muralhas.
O ‘kala’ (castelo) de Berat, alcançado através de íngreme ladeira de algumas centenas de metros, remonta ao século IV A.C. e, sobrevivendo a vários períodos complicados, foi sempre habitado, pelo que tem uma identidade bastante própria. Nas sinuosas vielas, geralmente bem asseadas, ainda encontramos casas otomanas, monumentos, cativantes restaurantes com pratos caseiros e lojas de artesanato e souvenirs. Bem como gente simpática à espera de uma boa conversa…
Aproveitando o turismo, é normal as famílias venderem, informalmente, os seus produtos. Fruta, compotas, doces, água… Amiúde, detenho-me em conversas, a mais longa com Adriano, que me fala de uma memória que tenho bem presente.
“Recordas aquele barco repleto de refugiados albaneses que nos anos 90 esteve tempos infinitos no mar às portas de Itália? Pois bem, eu estava nessa embarcação”, diz-me, referindo-se ao Vlora e aos milhares que fugiam, em desespero, após o colapso do regime comunista.
O sexagenário, que mantém energia bem jovial, é excelente conversador. “Foi muito duro, complicado. Não havia grandes condições, com imensas mulheres e crianças a bordo. Queríamos abandonar o inferno e não nos deixavam. Talvez só aí o Mundo tenha acordado para o enorme drama que a Albânia vivia”. A sua memória altera a expressão do seu rosto. Sinto-lhe quase a angústia comum aos inúmeros que, hoje em dia, tentam uma vida segura, digna, e se deparam com infindáveis obstáculos, demasiadas vezes profundamente desumanos.
A cidadela onde me entretenho com Adriano tem uma existência singular e é bom que a conheçamos através das histórias dos que a habitam. Dir-lhe-ão que é imperdível conhecer o icónico museu etnográfico, uma casa do século XVIII em pedra e vigas de madeira, com uma exposição que nos devolve à vida quotidiana dos nossos antepassados.
Apesar de boa parte não estar nas ideais condições de conservação, aqui resistem cerca de uma dezena de igrejas medievais, cristãs e ortodoxas, das mais de 30 que já houve, bem como duas das mesquitas mais antigas do país.
Na convidativa igreja de São Jorge vemos um dos exemplos de como o regime encarava a religião: nos anos 1980, o segundo andar do imóvel foi reconvertido num apartamento turístico para os membros do partido. Do lado exterior da muralha, na íngreme encosta, temos a bizantina e fotogénica igreja da Santíssima Trindade, do século XIII, mais difícil de encontrar aberta.
A VIDA ACOMPANHA O RIO
Nestas paragens o cristianismo e o islamismo sempre coexistiram. A mesquita do Rei, conhecida como a do Sultão, do século XV, bem como a dos Solteiros, anteriormente designada de Sylejman Pasha, construída para ser usada pelos trabalhadores que ainda não tinham casado, justificam a minha curiosidade. Uma pena que da mesquita Vermelha, no castelo, reste uma mera ruína do minarete.
Se usarmos a ponte velha, de 1780, para cruzarmos o rio da tradicionalmente muçulmana Mangalem para a cristã Gorica, vamos deparar-nos com uma área histórica a pedir algum investimento, até pelo seu grande potencial turístico: tem a melhor vista de Berat. Na verdade, estes são dois bairros que se complementam, com becos estreitos de envelhecidas casas de pedra branca com ladrilhos de terracota, portas de madeira e arranjos de flores frescas.
No silêncio da noite, se nos detivermos nesta ponte talvez ouçamos os lamentos da jovem que foi aprisionada na sua masmorra secreta. Diz-se que a donzela tinha o propósito de apaziguar os espíritos inquietos dos que atravessavam o rio.
Na pedonal Boulevard República é onde percebemos o quão vibrante Berat se apresenta, sobretudo ao fim da tarde e à noite, bem como aos fins de semana. É a zona mais moderna, ampla e arejada, alongando-se junto ao rio. Uma artéria adornada por árvores e que está repleta de bares e opções gastronómicas.
O rio está seco vários meses do ano e é nas suas margens que encontro agricultores a vender legumes e fruta, que insistem que prove. Uma e outra vez. Decidimos comprar algo, para agradecer a simpatia, mas não nos deixam pagar… e ainda nos dão um pequeno saco, recheado, para levar.
Em contraciclo com toda a atmosfera, o megalómano edifício da universidade nada tem a ver a paisagem, parecendo uma aberração. Imponente, faustoso e totalmente desenquadrado de tudo o resto. Um novo-riquismo que nada acrescenta a Berat.
Se desejo natureza mais exuberante, encontro-a nas selvagens gargantas do Rio Osumi, um desfiladeiro próprio para os amantes da fotografia e para os que não dispensam um bom desafio radical. Algumas das falésias do trajeto de 26 quilómetros acessíveis por caiaque ou rafting têm centenas de metros, favorecendo um microclima que garante vegetação todo o ano.
No fim da adrenalina, mais do que rakia, preciso de vinho, que a Albânia também produz. E é em casa do Lili – sim, é um homem e, sim, adaptou os seus aposentos para um improvisado restaurante – que melhor me sabe. Um incrível exemplo da hospitalidade albanesa personificada por um charmoso e super genuíno ser humano que tem o dom de proporcionar uma atmosfera aconchegante, única. Irrepetível.
O menu é simples e é exibido num quadro somente com fotos, já descoloridas. Levanta-o para que todos o vejam e explica a ementa em voz alta. Os pedidos respeitam a ordem da reserva. Tudo é delicioso, não apenas o típico byrek. No mais rústico e modesto dos ambientes…
GIROKASTRA, A UNESCO NÃO TE ESQUECEU
Não seria justo chegar a Girokastra ainda apaixonado por Berat, não fosse o nosso coração, em viagem, ter espaço para vários amores.
O encanto da terra natal de Enver Hoxha, que a tratava de forma especial, revela-se especialmente na sua zona alta, onde encontramos o invariável castelo e as suas ruas mais típicas, entretanto engolidas pelo turismo. O bem preservado estilo otomano das residências, com dois andares, muitas do século XVII, contribuiu para que também tenha sido classificado pela UNESCO como Património Mundial. Aqui destaca-se a fortificada casa Zekate, uma das mais perfeitas heranças da arte otomana.
A fortaleza, não habitada, recebia o Festival Nacional de Folclore, majestoso evento que se realizava de cinco em cinco anos e que, essencialmente, exaltava o orgulho albanês. O palco continua lá, no recuperado castelo-museu, de onde temos uma visão impactante para o tecido urbano, para o vale e montanhas. nomeadamente desde a Torre do Relógio.
Aqui se exibe um caça norte-americano que fez uma aterragem de emergência e acabou como “prova irrefutável” de que os Estados Unidos espiavam a Albânia. Também podemos ver canhões, tanques, artilharia e outros artefactos de bélicos. Bem como o ‘tunel da Guerra Fria’, um bunker (mais um) construído em segredo durante a década de 1960, com 80 quartos. A população só soube da sua existência quando chegou a democracia.
Este centro histórico está bem colorido, transpira vida. Aqui, o museu etnográfico também sobressai. A ‘cidade de pedra’ parece crescer ao ritmo de pequenas fortalezas, as suas casas repletas de personalidade e caráter. Num destino igualmente desfalcado de igrejas e mesquitas antigas, que sucumbiram ao comunismo.
OS DENSOS AZUIS DA RIVIERA
A riviera albanesa é abençoada por cristalinos azuis-turquesa e eternos por do sol em amarelos, laranjas e vermelhos quentes e fortes, uma pena que não sejam acompanhados pela areia delicada das praias portuguesas: não é fácil para quem tem os pés mais sensíveis, como eu.
Saranda é a urbe mais turística e a base para muitos dos que exploram lugarejos mais calmos – e encantadores – na região, como Ksamil, logo a sul, ou Himara e Dhermi, para norte. Ou para quem opta por dar um salto à bela Corfu, já Grécia, à distância de uma relativamente curta viagem de ferry, a 30 euros ida/volta.
Mais perto, uns 30 quilómetros a sul, temos Butrint, um conjunto de ruínas arqueológicas estratificadas ao longo dos últimos 2.500 anos, protegidas pela UNESCO, que cresceu com a crença de que as suas águas teriam poderes sagrados: curavam. Podemos apreciar um teatro romano, um castelo veneziano, uma casa cívica romana, uma basílica, um batistério… Evitar ir ao fim de semana, pois é uma altura bastante concorrida, tornando-se mais difícil de a saborear convenientemente.
O mesmo conselho para a minha predileção nesta região, o ‘blue eye’ (olho azul), uma nascente de água de translúcidos azuis onde podemos avistar o solo, não importa o quão distante está.
Experts mergulharam nas suas águas frias até cinquenta metros, contudo ainda não é claro qual é a profundidade real do buraco cársico, com uma capacidade de atração que bem pode simbolizar o efeito que a Albânia tem em nós.
GUIA EM VIAGEM
VISTO
Os cidadãos portugueses não precisam de visto para visitar a Albânia.
VOOS
A companhia low-cost Wizzair domina o tráfego no aeroporto internacional de Tirana, sendo que a melhor opção desde Portugal é, habitualmente, fazer uma escala numa das mais de 10 ligações transalpinas para a capital albanesa.
DESLOCAÇÃO
Pode alugar viatura a partir de 25/30 euros por dia, mas a rede de transportes é boa, além de permitir um maior contacto com os locais.
ALIMENTAÇÃO
Em Tirana tem acesso a alta cozinha internacional e todo o país tem forte influência da gastronomia italiana. Por menos de 10 euros consegue ter excelentes refeições de comida tradicional. O Odda, em Tirana, e o Lili, em Berat, são experiências absolutamente imperdíveis. Em Girokastra, aprecie, à mesa, o frenesi da rua Gjin Bue Shpata.
ALOJAMENTO
Por 40 euros consegue muito boas opções de quarto duplo/twin, respeitando os padrões de qualidade internacionais. Aconselha-se privilegiar as zonas históricas. Na White House Berat pode conhecer e mandar um abraço ao Çimi.
QUANDO IR
A Albânia encanta-nos todo o ano, mas entre maio e setembro é quando melhor poderá usufruir da natureza.
SEGURO
Mais do que nunca, viajar com seguro é obrigatório e essencial. Verificar bem as condições, para não ser surpreendido posteriormente.
Esta reportagem foi publicada inicialmente na edição impressa da Volta ao Mundo de março de 2022