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Liliana cansou-se da fachada, deixou tudo e foi à procura do mundo que lhe faltava

Veja as fotografias das viagens e aventuras de Liliana Ascensão, clicando nas setas. [Imagens: Direitos Reservados]
Pulau Perhentian, Malásia.
Guiné Bissau.
Everest Base Camp, Nepal.
Angkor Wat, Camboja.
Pulau Perhentian, Malásia.
Bali, Indonésia.
Cameron Highlands, Malásia.
Central Park, Nova Iorque.
Georgetown, Guiana.
Ilhéu das Rolas, São Tomé e Príncipe.
Roadtrip pela Baja Califórnia, México.
Na tribo Wixáritari, no México.
Ubud, Bali, Indonésia.
Vinicunca, Peru.

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Liliana tinha uma carreira de sucesso e uma vida de glamour. Mas cansou-se da fachada, deixou tudo e foi à procura do mundo que lhe faltava. Viajou quase dois anos sozinha e voltou uma pessoa diferente.

Texto de Bárbara Cruz


Artigo publicado originalmente na edição de março de 2019 da revista Volta ao Mundo, número 293.

Liliana Ascensão tinha a vida perfeita: um emprego de direção num grupo hoteleiro, uma casa na zona do Príncipe Real, em Lisboa, tinha um namorado, conhecia pessoas de todo o mundo. «A minha vida era perfeita em teoria. Tinha tudo, mas não havia paixão em nada», diz a portuense de 36 anos. «Tinha chegado ao topo da montanha, aquela que defini para mim como montanha, e não havia lá nada.»

Eram dúvidas atrás de dúvidas na mente da gestora hoteleira que há muito andava dividida entre a carreira e a vontade de largar tudo «para viver a vida». Liliana começou a trabalhar muito cedo, aos 19 anos, fruto da insatisfação com a licenciatura que estava a tirar. Entrou em Medicina Dentária mas logo percebeu que a vocação não era aquela e então começou a procurar trabalhos em part-time. Arranjou emprego num hotel de cinco estrelas no Porto onde a função que tinha era receber os hóspedes à porta do pequeno-almoço com um sorriso. «O único requisito era chegar a horas e estar bonita», recorda a rir-se. «Deslumbrei-me com tudo aquilo, desisti do curso e fiquei no hotel a trabalhar.»

Foi subindo na hierarquia porque conciliou o trabalho com o curso de Turismo e foi acumulando pós-graduações. Tirava férias na época de exames e nunca podia deixar o emprego no verão para viajar porque era época alta. «Tinha períodos de férias muito curtos e começou a crescer em mim uma frustração porque não havia grandes viagens. Era uma dualidade: estava a ganhar bem, era reconhecida, ia mudando de função e de hotéis. E pensava: agarro-me a isto ou vou viver a vida?»

A dada altura, tomou uma decisão: ia apostar na carreira mas fazer um ano sabático logo que tivesse oportunidade. Só que iam surgindo novos desafios, promoções, a abertura de um hotel que a fez mudar-se para Lisboa. Foi adiando até que não pôde mais. «A minha vida era superglamorosa. Mas demiti-me e fui viajar», resume. Decidiu anunciar na empresa no início de 2015 que, no final daquele ano, iria despedir-se para correr o globo. «Por uma questão de lealdade», explica. Correu mal: deixaram de lhe passar informação, «era como se eu tivesse tirado a camisola». Acabou por sair dois meses depois.

Liliana tornou-se líder de viagens da The Wanderlust, mas ainda não encontrou um sítio para chamar de casa. Ainda…

Por tudo se ter precipitado, assume que ficou «sem chão». Mas não desmoronou: «O que fiz foi mudar radicalmente a minha vida. Explorei comunidades em Portugal, projetos de permacultura na Península Ibérica, fiz retiros de meditação, de silêncio, comecei uma prática intensiva de ioga.» Terminou a relação com o namorado. «Foi um ano de descoberta pessoal e até de dor, queria perceber onde me doía». No final do ano saiu de Portugal para a Índia e só regressou vinte meses depois. «Nos primeiros tempos a família e os amigos apoiaram-me, depois começou o ‘quando é que voltas?’. A certa altura roubaram-me o telefone e estive três meses sem arranjar outro porque não sabia responder àquelas perguntas e queria mesmo ser livre. Só dizia: não há volta, isto agora é um estilo de vida, eu vivo assim, em viagem.»

Começou na Índia, seguiu para Nepal, Tailândia, Laos, Camboja, Vietname, Malásia, Indonésia, Hong Kong e Macau. Voou para os EUA, andou pela Califórnia e depois foi para a Costa Rica fazer voluntariado num infantário, antes de começar um périplo pela América do Sul: foi do Panamá até à Califórnia por terra, com várias paragens na Guatemala, onde até esteve a gerir um ashram de ioga e meditação. Fez uma roadtrip numa carrinha hippie da Guatemala à Califórnia na companhia de uma rapariga austríaca e passou muito tempo com populações indígenas. «Tenho muito interesse por entender as cosmovisões e as várias formas de interpretar o sagrado. Acabei por estar nos sítios certos à hora certa», admite. Conviveu com tribos no Peru e no México e admite que ter consumido a ayahuasca, a bebida «sacramental» feita com plantas da selva amazónica – com substâncias psicotrópicas –, lhe trouxe «mais clareza» sobre quem é e marcou-a para sempre.

Ver a natureza intocada ameaçada pelos plásticos e as tribos absorvidas pelos vícios ocidentais deixou-a também mais alerta para a necessidade da preservação do ambiente. «Uma senhora indígena com o traje tradicional de mão dada com um miúdo com a T-shirt do Ronaldo. O que teve mais impacto em mim foi ver essas populações contaminadas com as nossas modernices», admite, acrescentando que o desenvolvimento, infelizmente, está a chegar mais depressa do que a educação.

«A minha vida era superglamorosa. Mas demiti-me e fui viajar», resume.

Durante quase dois anos não traçou planos e deixou-se ir ao sabor da vontade. Andou por caminhos alternativos mas não se esquivou ao «profundamente turístico», garante. Chegou a procurar turistas quando, na Índia, foi sozinha para o festival Happy Holi em Vrindavan e se achou no meio de grupos de homens intoxicados que lhe tocavam sem parar. «Decidi que queria estar com estrangeiros, pessoas que percebiam a minha cultura. Então fui para o Taj Mahal.» Não foi a África porque já tinha feito uma viagem de carro até à Guiné Bissau; terminou a grande viagem em Nova Iorque, depois de recusar várias ofertas de emprego, porque quis estar em Portugal para ver o sobrinho que ia nascer.

O regresso foi agridoce: «Agora era a viajante, as pessoas queriam estar comigo, mas não entendiam a profundidade transformadora daquela experiência em mim. Queriam saber as histórias engraçadas», lamenta. «Senti-me profundamente sozinha.»

Tentou regressar ao mercado de trabalho, mas depois de quatro meses de angústia numa empresa de marketing percebeu que não era capaz de voltar a ficar fechada num escritório um dia inteiro. Tornou-se líder de viagens numa agência (The Wanderlust) e continuou a investir no seu «desenvolvimento pessoal», mas ainda não encontrou um sítio para chamar de casa. O objetivo, por agora, é trabalhar como freelancer em consultoria de restauração. Mas, a longo prazo, Liliana quer ter um projeto próprio para receber hóspedes, oferecendo «o mais autêntico e genuíno, e ao mesmo tempo estar ligada ao mais holístico». Fazer mais uma viagem de vinte meses? «Acho que não», confessa a sorrir. O desgaste é grande, «físico e emocional», conclui.

Imagem de destaque: Direitos Reservados