Cascatas da Fragata da Água D’Alta. (Foto: André Rolo/GI)
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O forasteiro debutante corre sempre o risco de se deixar maravilhar com a beleza do óbvio. Esse risco é tanto maior quanto maiores são os atrativos. É o caso da Beira Baixa: conhecê-la é, antes de mais, um exercício que requer o melhor dos nossos cinco sentidos, sob pena de não a desfrutarmos como ela merece. Seja bem-vindo à primeira de 12 viagens por um território encantatório.

“Lembro-me dos cheiros dos lagares, das queijarias, dos fornos, das forjas
– eram cheios e entravam pelas narinas como tantos outros, mas só esses
se infiltravam no sangue e aí ficavam depositados em sucessivas camadas,
para sempre, como ficou o aroma da esteva e do feno”
Eugénio de Andrade (Beirão)

É mandatório partir para esta viagem com os cinco sentidos em sentido, sob pena de chegarmos ao fim da caminhada sem perceber o que a caminhada nos ofereceu. Não se trata apenas de olhar – é preciso olhar com olhos de ver. Não se trata apenas de ouvir – é preciso escutar para lá do primeiro ruído. Não se trata apenas de tocar – trata-se de sentir o que o toque devolve. Não se trata apenas de cheirar – é importante que o que sobe pelas narinas vá formando perenes camadas de prazer. Não se trata apenas de provar – relevante é que as pupilas gustativas transformem o sabor em memória. Se não estivermos dispostos a exigir aos cinco sentidos que permaneçam vigilantes, não vale a pena conhecer a sub-região da Beira Baixa.

Mais do que isso: para regressarmos com alma verdadeiramente cheia e o coração absolutamente preenchido, há que combinar e recombinar os cinco sentidos a cada momento, a cada olhar, a cada cheiro, a cada som, a cada prova, a cada toque. Uns precisam dos outros, quando o som da levada do rio se mistura com o cheiro da figueira, ou quando, lá no alto de Monsanto, a dita aldeia mais típica de Portugal, nos confundimos com a enormidade dos pedregulhos (foram as casas que nasceram no meio das pedras, ou as pedras que nasceram no meios das casas?), ou quando nos sentimos enfeitiçados com os movimentos das mãos das mulheres que guardam o segredo dos bordados que encantam a rainha de Inglaterra.

A aldeia de Monsanto. (Foto: André Rolo/GI)

Difícil exercício, este? Apenas na aparência. Porque, cedo no passeio, cai-nos em cima o óbvio. São os cinco sentidos que nos põem em sentido: espicaçam-nos a curiosidade, erguem-nos as pálpebras, alargam-nos as narinas, apuram-nos o palato, aguçam–nos a audição, afinam-nos o toque.

Estamos prontos, portanto, para o caminho. Talvez já sem “o fascínio pela beleza do óbvio”, para citar Luís Pedro Cabral, que tantas vezes atrapalha o forasteiro debutante.

12 semanas, 12 viagens
E o caminho, no nosso caso, durará 12 semanas. Nos próximos três meses, à razão de uma publicação por semana, encontrará aqui o resultado do périplo que, numa parceria com a Comunidade Intermunicipal da Beira Baixa (CIMBB), que agrega os municípios de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Penamacor, Proença-a-Nova, Oleiros e Vila Velha de Ródão, a Evasões fez por uma sub-região que não se vergou ao peso da interioridade, que soube preservar a identidade e tudo o que a enforma: o património natural, o património cultural, os usos e os costumes, a gastronomia, a alma, enfim.

A Praia Fluvial de Benquerença, concelho de Penamacor. (Foto: André Rolo/Gl)

 

Nem tudo são rosas, é certo, mas as palavras do casal de ingleses que trocou o bulício do norte de Londres pela paz da aldeia de Perdigão, no concelho de Vila Velha de Ródão, valem ouro: “It’s like heaven, but at a right price” (tradução livre: “É como viver no céu, mas a um preço justo”). Dito na zona de lazer da Foz do Cobrão, sentados ao sol, com uma “piscina” cheia de água translúcida oferecida pelo ribeiro do Cobrão e adornada, a montante, por um penedo – o penedo dos Cágados.

A viagem levar-nos-á ao encontro da história e da cultura da Beira Baixa. Seguiremos em busca do riquíssimo património natural que o território oferece, de onde partiremos à busca da distinta gastronomia beirã. Isto feito, haverá tempo para propormos visitas de dois e três dias pela sub-região, sem esquecer que a oferta é tanta que se dá a passeios em família e, claro, uma escapadinha a dois, entre outras possibilidades.

 

Mas onde estamos, afinal?
Olhando para o mapa, estamos no “coração” da Península Ibérica, a cerca de 200 quilómetros do Porto e de Lisboa e não muito longe de Madrid, capital de Espanha. De acordo com os Censos de 2011, os seis municípios da sub-região ocupam 4.648 quilómetros quadrados de terra e albergam cerca de 90 mil habitantes.

Chega-se aqui num instante, graças às boas vias de comunicação que ligam a sub-região às grandes urbes. Se preferirmos deixar o automóvel em casa, podemos optar pelo comboio. Em determinados pontos, a viagem pela linha ferroviária da Beira Baixa é um encanto: ali junto às Portas de Ródão, o rio Tejo faz-nos companhia em terra, enquanto a maior comunidade de grifos de Portugal se passeia pelos ares. O Tejo tem companheiros de peso: o Zêzere e o Ocreza. E tem companheiros de viagem: o Ocreza, o Pônsul, o Aravil e o Erges são os seus primeiros afluentes nascidos em Portugal.

Estamos em solo ancestral que tem a companhia de gigantes tão gigantes como a serra da Estrela e a serra da Gardunha. Dos pontos mais altos – e são muitos – avista-se Espanha. Lá adiante já é Alentejo.

A Serra da Malcata

 

Estamos em terra de vales profundos que partilham o tempo com planícies longas. São os xistos na Serra da Malcata e os quartzitos da Serra de Penha Garcia e da Serra das Talhadas que dão forma às elevações que marcam o território, onde, como se lê no livro “Beira Baixa – Produtos de Excelência”, editado pela CIMBB, “aos estevais que denunciam os solos mais pobres se sucedem as culturas hortícolas que agradecem as infraestruturas de regadio da Campina de Idanha e os montados de sobro e azinho em cujos fins de tarde pastagens douradas alimentam rebanhos que originarão produtos de excelência”.

Sim, Excelência
“Excelência” é o termo correto para aplicar ao queijo, ao vinho, ao azeite, ao cabrito, ao borrego, ao mel, enfim, ao rol de produtos que nos chegam à mesa vindos da Beira Baixa.

O cabrito estonado, em Oleiros. (Foto: André Rolo/GI)

 

A vitela beirã. (Foto: André Rolo/GI)

Estamos em território que pode puxar dos galões, porque nele convivem o Parque Natural do Tejo Internacional (um dos mais relevantes parques naturais da Europa), o Geopark Naturtejo da Meseta Meridional (há que ver os icnofósseis de Penha Garcia, com uma vetusta idade: 480 milhões de anos; os canhões fluviais das Portas de Ródão e de Almourão; e as morfologias graníticas das serras da Gardunha e de Monsanto) e a Reserva Natural da Serra da Malcata, considerada pelos especialistas um dos últimos refúgios naturais do território português, guardiã de tesouros botânicos e faunísticos (sim, por aqui andou o lince ibérico: já não anda…).

As Portas de Almourão. (Foto: André Rolo/GI)

Partida. Viagem. Regresso
Mas estamos, também, numa sub-região que, à exceção de Castelo Branco, capital de distrito, não escapa ao carimbo que se apõe às localidades onde o envelhecimento e a desertificação galopam, ao mesmo tempo que a economia demora a arranjar modo de fixar gente: chamam-se, hoje, territórios de baixa densidade. A estatística diz que sim, mas os beirões batem o pé. Por que não hão de bater, se o território tem tanto para oferecer?

 

A qualidade de vida que o Interior oferece (“O céu, mas a um preço justo”) quadra na perfeição com o vastíssimo património histórico, cultural e natural da Beira Baixa. Os investimentos na reabilitação urbana e nos espaços rurais, como as aldeias de xisto e as aldeias históricas, são exemplo concreto de como o turismo pode servir de alavanca para o resto. Que é muito. Mas não é impossível. Afinal, como escreve Luís Pedro Cabral na introdução ao livro de Valter Vinagre “Beira Baixa – sob perspetiva” (edição da CIMBB), “há na ruralidade realidade e, nesta, futuro sustentável. Envolve partida. Envolve viagem. Envolve regresso. Tudo é interior. Somos todos interior. O nosso interior é Portugal. Talvez um dia este conceito vigore melhor, embora qualquer pessoa de bom-senso saiba que os maiores desertos ficam no interior das cidades”.

Bem-vindos à Beira Baixa.

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