Entrou para a TAP em 1969 e por lá ficou, quase 50 anos. Pelo meio, apanhou aviões para todo mundo, fez «missões secretas» na América Latina e precisou de Eusébio para entrar na Bulgária. As viagens de António Monteiro, o recém-reformado diretor de comunicação da TAP.

Texto de Bárbara Cruz

A primeira grande viagem de António Monteiro foi ainda na década de 1950, tinha ele 5 anos: veio com a família de Vila Flor, Trás-os-Montes, para Lisboa, onde o pai já se tinha instalado. Com o passar do tempo fez-se lisboeta e não foi por acaso que escolheu o Museu do Chiado como ponto de encontro, no dia em que falou à Volta ao Mundo sobre as viagens extraordinárias que já fez e ainda quer fazer: foi ali que começou a trabalhar, quando tinha apenas 17 anos e no edifício funcionava o Governo Civil de Lisboa. Carimbava passaportes dos que tinham a sorte de sair do país.

Faltava ainda acontecer a Revolução dos Cravos, viajar era um luxo acessível a poucos que exigia muito dinheiro e calar as críticas ao regime. Mas, aos 21 anos, António Monteiro entrou para a TAP. «Trabalhando numa companhia de aviação e com o cadastro limpo, nunca tive problemas. Era a TAP que me tirava o passaporte», conta o recém-reformado diretor de comunicação da companhia.

Depois de 47 anos ao serviço da empresa, quase 20 como porta-voz, António Monteiro deixou o cargo em dezembro de 2016, mas garante que não deixará as viagens, muito menos os aviões, para desgosto dos «amigos dos cruzeiros »: o único que fez foi nos fiordes da Noruega e só porque sobre a água a vista era mais privilegiada do que em terra.

Começou na TAP em 1969, no atendimento ao público. Ao fim de um ano, podia viajar a «preços muitíssimo reduzidos», regalia dos funcionários de companhias de aviação. Não se fez rogado e, na primeira viagem, foi visitar os amigos que tinham emigrado para Londres, Amesterdão e Copenhaga.

«Tinha acesso a coisas que, cá, eram absolutamente impensáveis. Assistir a determinados concertos, peças de teatro», explica.

Recorda com nitidez como foi sair «de um país a preto e branco» para cair em plena euforia londrina. E, em contacto com as comunidades portuguesas no estrangeiro, conseguia saber mais do que quando estava em Lisboa, onde a informação circulava com dificuldade dados os constrangimentos da ditadura. «Tinha acesso a coisas que, cá, eram absolutamente impensáveis. Assistir a determinados concertos, peças de teatro», explica.

A «primeira viagem a sério» fá-la em 1973, a Buenos Aires. Queria ir para Santiago do Chile, mas mudou de ideias devido aos tumultos que se seguiram ao golpe de Pinochet, que praticamente coincidiu com a data da viagem que tinha programada. Não desiste da América Latina e vai três semanas para a Argentina, numa experiência «apaixonante» já no final do exílio de Péron em Espanha.

Ali, contactou com os chilenos que, fugindo ao golpe de Estado, atravessavam a selva para chegar à Argentina. E, com a mulher, cometeu uma «pequena loucura»: aceitou ir de Buenos Aires a Montevideu, Uruguai, onde estava instalada uma «feroz ditadura militar», levar um envelope. «Naquele clima, pensei que não podia recusar. E se houvesse pessoas em risco de vida?» No aeroporto uruguaio foi recebido por guardas de metralhadora em riste. Fez a entrega e regressou.

Só depois ficou a saber que o envelope era para os tupamaros, um grupo de guerrilheiros marxistas-leninistas. Mas o fim da intriga quase cinematográfica ainda não tinha chegado: para voltar a Portugal, tinha de apanhar um avião na cidade do México, onde jura que foi seguido. Estava num hotel «muito bom, mas que fazia descontos fantásticos. Quando me viram entrar num hotel assim devem ter pensado que não podia ser eu quem procuravam», diz a rir-se.

A 25 de abril de 1974 ia sair cedo de Lisboa para Atenas e Istambul. Ficou na Rotunda do Relógio, porque o aeroporto já estava tomado pelos militares. «Sou funcionário», disse, mas mandaram-no para trás. «Voltei para casa, comecei a ouvir rádio e a telefonar a toda a gente.»

Acabou por fazer a viagem 15 dias depois. Na Grécia, alugou casa numa ilha deserta, onde só conseguia chegar de barco, com a ajuda de pescadores. «No outro dia lembrei-me de googlar, para saber como estaria a ilha. Já tem aeroporto!», comenta. E de Istambul, incentivado pela abertura da Revolução, meteu-se num autocarro para Sófia, Bulgária, onde lhe pediam insistentemente o visto. «O meu cartão-de-visita, como aconteceu com tantos portugueses, foi o Eusébio. Disseram-me logo “entra, entra”.»

Obrigado António Monteiro. O percurso da Volta ao Mundo seria bem menos interessante sem o seu apoio e amizade.

Quando, em 1998, passou para o departamento de comunicação da TAP, começou a viajar mais em trabalho, mas sempre reservou tempo para os destinos que lhe interessavam. Se fosse preciso, repetia locais onde já tinha estado, para os ver com outros olhos. Cita o último parágrafo da obra de Saramago Viagem a Portugal como inspiração: «É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.»

Não tem certo o número de países que visitou. Confessa que ficou desencantado com o Oriente depois de ver o Japão e jura que ainda não fez a viagem da vida – «hoje pode ser uma, amanhã será outra.» Mas o Irão e a Sicília deixaram marca. «Chegar a Siracusa, ver onde viveu Arquimedes, o castelo onde foi sepultado… ouvimos essas histórias quando somos miúdos, ainda julguei que era ficção!» Do Irão recorda a simpatia dos locais e o património. «Tem tudo o que se pode gostar: história, cultura, gastronomia.» Apesar da lei islâmica, viu cidades «onde qualquer um de nós vivia com facilidade. O clima não é opressivo».

Ainda está a aprender a ser reformado, mas já tem um par de viagens para fazer nos próximos tempos: as cidades históricas de Minas Gerais, no Brasil, e Budapeste, na Hungria. A Guatemala também está nos planos. Não é pela reforma que lhe vão faltar cartões de embarque.

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Liliana cansou-se da fachada, deixou tudo e foi à procura do mundo que lhe faltava


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